26 de novembro de 2010

Took my heart to the limit


A frágil criança veio à tona no momento em que sua demonstrativa carecia ser corajosa. Aliou-se a sua sinceridade, deu as mãos a sua verdade, beijou o semblante do senso de si e chorou.

De cara com o desmanche desfez o pacto, mas seguiu com a sensação de rejeição indolente. Sua inocente tentativa de resignificação despencou no precipício do mesmo incompreensível e dilacerante mal-me-quer.

Tola utopia em construir um amigo de madeira, que não partilha afeto, que não tem calor no corpo, que não acolhe em si o outro. Nem Pinóquio foi assim. Espanto, desencanto, desalento.

Os caminhos de antes disseram para não voltar. Os passeios bem que tentaram alegrar, mas só encheram os olhos de lágrimas. O transtorno assombrou e dominou o corpo que antes dizia amar. Apoderou-se até dos restos de sentido. Eliminou o homem de outrora.

Coração levado ao limite recolhe-se a sua insignificância, dá passagem para a outra banda e abranda seus sonidos. Curiosa tristeza, árdua leveza, ausente franqueza. Não mais os termos de antes. Notas tomadas que não servem nem para legenda de um capítulo futuro.

Assim retorna, sem danças inovadoras, meio desconexo e descalço. Entenderá que, daqui pra frente, seus apegos terão de ser comedidos e suaves, sem as intensidades passadas. Pois sabe que elas alegram e entristecem na mesma dose, forjando antídoto para seu próprio veneno. Entendeu agora que não é hora de estar de volta, pois não existem mais aconchegos.

Imagem capturada em:
http://comunidade.sol.pt/blogs/lobomalvado/archive/2007/05/22/Abra_E700_o.aspx

22 de novembro de 2010

Transeunte, homem da vida


Absorto entre pesquisas, coreografias e relações, ele projeta um jeito particular de ser, viver e poder. Descreve, diariamente, com gestos e gracejos, trajetos de percorrer sempre e cada vez mais.

São destinos, caminhos e trilhas que remontam, a cada passo, a vida que ele deseja viver e coisas que, nem sempre, ele escolhe receber. Surpresas, incertezas, malvadezas e belezas, em todas ele tropeça, misturando opções, objeções e imposições com as quais a vida lhe presenteia.


Se lhe fosse pedido para narrar as dicotomias de sua vã – cortesã – anfitriã vida de cada dia, ele, certamente, publicaria Best Sellers bricolados por amores, devaneios e promiscuidades, praticados e escondidos. Alguns de boa e outros de péssima qualidade.

Pela estreita parede de afetos, ele atravessa sem precisar de muitos poderes, pois já se mistura em seu coração uma receita agridoce de medo e coragem. Esta receita, uma mestra, uma orientadora à qual ele segue cético, mas sem questionar.

Sem temer o peso dos sete palmos que um dia o perpetuarão no ciclo da vida, a partir, é claro, do vivo sujeito que vem sendo, ele ainda corre, sorri e deseja amar. Pensante, dançante e amante, o corpo (m)eu ainda projeta dias e dias de intenso querer, dar e receber.



Fotos: Odailso Berté

17 de novembro de 2010

The Runaways – fugindo dos padrões

Na década de 1970, nos Estados Unidos, surgia uma banda de rock que fugia totalmente dos padrões previstos para esse estilo musical e, principalmente, nada convencional para o gênero que a integrava: mulheres.


Quando talento e ousadia se cruzam, quando se assume posturas, é inevitável não provocar rupturas. Um feminismo quente, riscado em cordas de guitarra, ribombar de caixas de som e vozes cálidas e estridentes.

Assim se fez a banda “The Runaways”, conforme mostra o protagonismo de Dakota Fanning e Kristen Stewart, que saem da opacidade crepuscular e brilham entre holofotes, guitarras e microfones, alçando vôo no quesito interpretação (cênica e musical).


Meninas que se fazem mulheres ao dizer ao mundo que queriam e podiam ser amantes, profissionais, artistas e roqueiras tão qualificadas quanto os homens. Com picardia mostram, por meio da música, sua força particular e sua forma única de estar no mundo.

Ao (re)construir em seu corpo Cheri Currie, Dakota Fanning explicita com segurança e simplicidade que sua capacidade interpretativa não se restringe só a um rosto simpático. Mas a uma trajetória artística que desde a infância vem lhe conferindo possibilidades de ser uma atriz sensual, inteligente e sagaz.


Já Kristen Stewart, quase congelada pelo papel da bela mocinha da saga “Crepúsculo”, assume uma identidade “runaway” e, literalmente, foge daquele padrão ultrapassando expectativas. Ela consegue recriar a cantora Joan Jett a partir de uma visceralidade corporal permeada por singeleza e timidez. Sua interpretação surpreende, convence e encanta.


Recordo uma das cenas finais onde Cheri Currie (Dakota), trabalhando num lugar comum, ouve no rádio uma entrevista com Joan Jett (Kristen) que, como se sabe, seguiu carreira solo após o término da banda, e decide ligar para o programa. A simplicidade da cena, sem emotividades alteradas, parece fazer fluir no peito uma saudade sem jeito e tímida que traz, por meio do leve sorriso de ambas, lembranças de coragem, sucesso, prazer e amor (delas e nossos), aos quais a continuidade foi contida.


“The Runaways”, a banda de rock composta por garotas dispostas a enfrentar as vaias do preconceito com escudos feitos de sonhos, deu origem ao filme “The Runaways – Garotas do Rock”, com roteiro e direção de Floria Sigismondi.

Imagens capturadas em:
http://www.cinemaemcena.com.br/ficha_filme.aspx?id_filme=8431&aba=detalhe

16 de novembro de 2010

Quem se dá com minha expectativa?


Cheio delas me movo em direção a outrem – pessoas, coisas, desejos, situações, sonhos... Mas nenhum desses está programado para correspondê-las da forma como as deixo crescer nesse corpo terreno que sou.

O outrem nunca vem 100% de encontro àquilo que dele espero. Nunca ele o poderá fazer. Seria porque cada cabeça é uma sentença? Seria porque ele nunca poderá adivinhar, milimetricamente, o que eu quero? Seria, simplesmente, porque ele é outro e eu sou eu?

Minha expectativa é tão abusada que, até na leitura, quando o autor não agrada, me faz fechar o livro e só reabri-lo tempos depois. Por enquanto tem apenas dois, mas, quando os livros pela metade começam a acumular, começo a me preocupar. Grau de insatisfação ou expectativa demasiada?

Por vezes, até parece que, parafraseando Vanessa da Mata, tudo o que quero de mim são “irreais, expectativas desleais”. Pois, vão além do que posso e do que podem por mim. Além do que tento e do que, em detrimento do realmente possível, eu me esforço para ser... Alguém de querer mais razoável.

Foto: Odailso Berté

10 de novembro de 2010

BTCA - entre poros e pétalas


Exalando florais na programação do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia – FIAC, o Balé do Teatro Castro Alves – BTCA estreou, nos dias 29 e 30 de outubro de 2010, o Espetáculo ‘À Flor da Pele’, coreografado por Ismael Ivo e dirigido por Jorge Vermelho.

Diferente das demais coreografias criadas ao longo do ano de 2010, ‘1POR1PRAUM’ e ‘A quem possa interessar’, ‘À Flor da Pele’ encontra contento explorando ora a virtuosidade ora a singeleza dos dançarinos e atuando conjuntamente à Orquestra 2 de Julho. Tal elemento confere ao espetáculo uma conjugação amalgamada entre dança e música, como se fosse um coro dançante.

Ansioso pelos dançarinos no palco, o público é surpreendido quando os vê entrar pela mesma porta da qual entrou. E é no meio do público que a dança tem início, corpos dançarinos e corpos espectadores, juntos, partes da mesma cena. Com delicadeza os dançarinos pedem permissão e levam para o palco os calçados de alguns espectadores. Uma tentativa sutil de misturar cena e realidade.

No palco, uma placa de alumínio refletia e (des)configurava os corpos dançarinos, as luzes e parte dos corpos espectadores. Imagens, como que pinturas vivas, desenhavam formas que dançavam também, compondo a cena.


Entre sequências retilíneas, compartimentadas, sincrônicas e assimétricas, só de corpos, de corpos e objetos, ou de uma chuva de grãos que cobria o palco, o espetáculo traça caminhos aleatórios, permitindo ao espectador várias entradas para a interpretação. Contentando, de modo democrático, como toda dança deve ser, a gostos, desgostos e contra-gostos.

Em imagens coreográficas curiosas, belas e surpreendentes, a coreografia de Ismael Ivo e a interpretação do corpo de baile do BTCA conseguem mover a memória e as expectativas, possibilitando associações com inesquecíveis cenas de Café Müller, Sagração da Primavera e fragmentos de outros trabalhos de Pina Bausch. O que, por vezes, soa como uma bonita saudade da mestra da dança contemporânea alemã e mundial.

Para não deixar ninguém descalço, o coro dançante se despede devolvendo os calçados e retribuindo o empréstimo com flores e abraços. Transpirando primaveras, o BTCA mostra que, como sendo uma companhia de dança, tem possibilidade de se valer da virtuosidade, da singeleza e da alteridade para compor dança e proporcionar as mais variadas apreciações.


Fotos: Vera Milliotti
Capturadas em: http://www.flickr.com/photos/secultba/5142344597/in/photostream/

Continuar distante


Hoje, o mesmo mar que viu meu vale de lágrimas, beijou-me o rosto e os olhos com terna brisa. Mostrou-se azul de horizontes infinitos, bem do jeito que eu sabia que ele era, mas me recusava a ver.

Passei pela rua que antes me fora de amargura e não mais senti as angústias de outrora. As palavras agora me fluem sem esforço, como se saíssem de mim por conta própria. Que milagre oculto terá ocorrido em mim, na rua, ou no mar?

Nada como ter o foco afetivo não mais preso em lactências distintas e distantes. Nada como ter os poros abertos para inspirar e expirar afetos no ambiente onde se está inserido. Nada como estar disposto a ser acolhido pela especificidade de cada lugar.

Sigo a sina que o dia a dia vai me esboçando e que eu mesmo vou desenhando com meus gestos. São outros jeitos de viver que me vão aparecendo sem estratégias artificiais, sem galanteios de palha, sem orações de pau oco.

Percebo que, bem mais que o tempo que eu perdi, está ficando para trás tudo aquilo que me juntou ao amor transfigurado em dor. Quieto no meu canto e cabelo ao vento, vou restaurando, a passos lentos e sedentos, esse meu jeito sempre principiante de querer, que atende a pedidos inteligentes de corações e corpos que querem ser verdadeiros.

Em paz
Eu digo que eu sou
O antigo do que vai adiante.
Sem mais
Eu fico onde estou
Prefiro continuar distante.


Trecho da Música "Resposta" (interpretação de Milton Nascimento e Lô Borges)
Foto: Odailso Berté

9 de novembro de 2010

Romansiando reversos


Na verdade, pairo agora por entre-lugares: planos movediços, paisagens - imagens de miragens, patamares suspensos da realidade sensorial.

Depois que um Nero desconcertado deixou-me ROMA do avesso, ateando fogo em meu urbanismo afetivo, vi meu medo banindo, do convívio cidadão em meu corpo, as espécies complementares de carinho, bem querer e desejo.

Como transeunte temeroso volto a passear pelas ruas e avenidas dos amores possíveis, atento ao atravessar, buscando faixas de segurança, guardas e policiais que me assegurem dos perigos. Pois nesse trânsito, impera a imprevisibilidade e a perversão com cara de inocência.

Por vezes, ainda olho para trás e, saudoso, vejo as ruínas de minha ROMA, ao contrário, antiga. Sei que lá fui feliz, naquele império de cumplicidades. Hoje, só resta lembrar, aplacar as queimaduras que ainda ardem e vislumbrar outras imagens que me façam reconstruir ROMA de trás pra frente.

Foto: Odailso Berté

7 de novembro de 2010

Meus pontos cardeais


Tais (en)costas deflagram gostos em formas que, com sensível toque, se adivinha sussurros. Curvas de percorrer a dedos, a palmas, a beijos.

Na bahia do teu santo me achego com tamanha fé, enorme desejo, grande sentimento. Pois, sei que milagres ardentes alcançarei.

Se tento delimitar espaços a percorrer no universo desse corpo, perco o norte, anseio pelo sul e mergulho dançando em lestes e oestes. Sensíveis e sutis são os pontos cardeais.

Como onda sedenta, deságuo em falanges musculares que, como rocha firme e lisa, se abre para minha desejosa procura.

E quando sai o sol, me vejo esperando sereno pelos ares que durante a noite me envolveram, sorriram e suspiraram tão perto do coração.

2 de novembro de 2010

Lie's Song


Mentiras - Adriana Calcanhoto
Love the way you lie - Eminem e Rihanna
Don't lie - The Black Eyed Peas
Beautiful liar - Shakira e Beyonce
Lie to me - Bon Jovi
I'd lie - Taylor Swift
Your love is a lie - Simple Plan

O outro: decifro ou me devora


Quem é esse mundo indecifrável chamado ‘outro’ que, ingenuamente, tentamos habitar? Quem é esse pensamento alheio que, qual menino curioso e encantado, tento decifrar? Quem é esse corpo externo ao meu do qual, por vezes, penso, ilusoriamente, depender minha felicidade?

Alteridade é uma necessidade, um perigo, um luxo, uma atrocidade. Alteridade é sempre uma curva após a qual nunca se sabe o que é que vem. O outro é sempre um campo minado de surpresas, sobre o qual, ao menor passo, estrondos, implosões e explosões, causadas ou acidentais, podem detonar nossas bases.

Aventurar-se no outro é assumir um ‘Indiana Jones’ disposto a enfrentar perigos, desbravar territórios obscuros, navegar mares bravios e encantar-se com descobertas memoráveis. O outro é sempre esse terreno movediço, esse lugar inseguro, esse país das maravilhas no qual somos sempre estrangeiros, forasteiros e desbravadores clandestinos, que usurpam ou são devorados vivos.

O outro, pelo qual vivo, morro, movo causas a favor, promovo motins contra, sabota minha pureza já desvalida. Essa inocência não mais pura, saudosa do estupro, hoje, já começa a entender de espaços, limites e possibilidades. Viver como ‘aquelas da intuição’ ajuda até um certo momento. Todavia, se a racionalidade não rega o canteiro da alteridade, viveremos gostando de ser castigados pelo supremo outro que nós mesmos colocamos no trono.

Abaixo o outro. Em cima. Dentro ou fora. Demos-lhe a devida posição para um bel prazer que não destoe nossa dignidade. Afinal, tenho outro para mim e sou o outro de alguém.

Parafraseando Will Goya, 'amar não é desejar o outro como a si mesmo, é fazer do amado o primeiro e de si mesmo o outro'.


Foto: Carmi Silva e Odailso Berté

1 de novembro de 2010

Because I like the way it hurts


Entre as várias lições que o mestre de tantas faces e mãos, o cotidiano, vai nos ensinando, há uma que ainda tenho dificuldade em aprender.

Ainda não sei a receita, a atitude, a forma para não deixar que minha paz e felicidade dependam de um corpo externo a mim. Parece individualismo, mas não.

Trata-se de uma necessária segurança a ser adquirida. Uma segurança em forma de navalha para cortar o fio invisível entre mim e o outro, sobre o qual, iludido, tento me equilibrar, como se fosse uma tábua de salvação.

Dou vazão a expectativas que vão além das possibilidades do outro e, obviamente, me frustro, me contorço e sofro quando horários, encontros e desejos não são cumpridos. Até parece que gosto do jeito que isso me dói.

Hei de encontrar um apoio por mim mesmo. Homens seguros são mais atraentes. Sem vergonha de assumir a limitação, penso tecer soluções a partir de ferramentas ainda não adquiridas. Tarefa insana a cumprir para sanar meus doídos modos de amar.


Foto: Carmi Silva

Dil(m)acerando o machismo da política brasileira


Nós queremos precipitar as tempestades e não nos comove a calmaria. O mundo que conhecemos já veio marcado pelos punhais que te expulsam, pela neblina que te atordoa, pelas cinzas que te encobrem. Nós não procuramos asilos nem nos queixamos. Os soluços, os deixamos entre as taças amargas. A metafísica, a cobrimos com véus. Seguimos confiantes com os mistérios que temos, nós que temos a sede das vinhas.

Nós que temos a sede das vinhas somos radicais como as lobas. E enterramos as garras na cabeceira da terra e ouvimos atentas o chamado de nossos filhos à noite. Em homenagem a eles, enluaramos nossos pêlos com as cantigas de nossas avós. Nós que sabemos dos líquidos e das sopas, dos ungüentos, das compressas, das poções, trazemos conosco o vozerio do tempo e construímos labirintos com açúcar.

Dispensamos as reprimendas e os modelos eternos que nos imaginam estátuas ou cisnes. Estamos a oferecer nossos lábios e nossas unhas, nossos corações e nossos punhos, para dividir a chuva, as avenidas, as tribunas e as camas. Temos sonhos intensos e nossa alma é feita de pianos de cauda. Quando nos movemos, produzimos sonatas; quando partimos, trazemos o outono.

Nós conduzimos pássaros sob as pálpebras e nossos seios são peixes, luminosos. Trazemos os suspiros, a febre e a falta de ar, os suores, as fantasias, os silêncios e os espantos. Em cada leito construímos um navio que se lança ao mar com bandeiras próprias e que segue seu rumo como um cometa.

Nós vencemos todas as maldições e trituramos as afrontas. Já não aceitamos as âncoras em nossos porões, os interditos, os estreitos limites. Galopamos sobre as rezas e as mobílias, sobre as heranças e as panelas. Com as fogueiras que nos deram tricotamos estrelas; com as chibatas, traçamos a ventania.

Nós que temos a sede das vinhas emigramos do cotidiano para a história. Somos mulheres inteiras, de trigo, de cobre, de neve, de cetim. Nós somos assim, uma onda pela manhã, um rio ao meio-dia, à tarde, uma avelã, à noite, uma melodia.


Poema "Nós que temos a sede das vinhas" de Marcos Rolim.