1 de outubro de 2009

Um Café filosófico - Um intervalo cênico - Uma Primavera visceral

A passagem do Tanztheater Wuppertal por São Paulo, apresentando os mesmos espetáculos da vinda em 1980, expressou o vigor ainda vivo da Diva da Dança, que se foi, Pina Bausch.
Café Müller é uma filosodança, uma filosofia no corpo, sem legendas deterministas, apenas corpos/pessoas (re)vivendo relações desencontradas, filosofazendo-nos refletir acerca dos nossos próprios desejos, intenções, estupidez, afeto e abandono. Esta era a peça em que Pina dançava... O (m)eu corpo não separa emoçãorazão ao falar disso. Pina é a mulher que aprendi a amar de longe, pelas fotos, pelos livros, pelos filmes, pelos espetáculos. A dançarina substituiu-a muito bem, mas foi ela que imaginei ali no palco. Alta, esguia, singela, forte e doce, arremessando-me suas vivências naqueles gestos, naquele inesquecível movimento de braços, deslizando fluidamente, desenhando histórias. No final, é esta personagem cega que fica sozinha, batendo-se nas cadeiras e mesas, sem ninguém para abrir-lhe caminho. Apenas herdando dos outros personagens uma peruca, uma casaco e um par sapatos... Era Pina que desaparecia solitária no escuro do seu Café... Enchendo-nos de sentimentos e razões únicas, eternas.
O intervalo deu-se de cortinas abertas, deflagrando cenas impressionantes da montagem do cenário para o próximo espetáculo. Cotidiano e arte se (con)fundiam no palco. A disposição dos utensílios e a maneira como se moviam aqueles corpos (técnicos e assessores de palco) davam-me a impressão não de intervalo, mas de seqüência da arte que se mistura com a vida, ou, que leva a vida para o palco não importando ‘como os corpos se movem, mas o que move os corpos’, conforme a filosofia da mestra Pina Bausch.
Sagração da Primavera, apresentada, coincidentemente, nos dias em que chegava a estação da primavera, 22/09. Uma dança de tensões – flexões – (re)flexões. Uma dança (con)sagrada pela fertilidade dos corpos, pela efervescência com que se movem, pela paixão quente com que pensam no movimento que executam. Tantas relações emaranhadas na intencionalidade daqueles movimentos, possíveis relações de gênero, onde os corpos femininos são coagidos pelo severo olhar masculino. O palco coberto de terra alude a relações férteis, fortes, convulsivas. Os corpos dos dançarinos suados em contato com a terra escura, se metamorfoseavam na cor, na expressão e no movimento, como se a própria (T)terra gemesse em dores de parto. Na última cena, apesar dos olhares tensos dos demais dançarinos (e também do público), uma mulher dança até morrer. Deixando-me a sensação de que a dança, a vida, a Pina... seguem registradas em nossos corpos. Uma sensação de que temos o poder de continuar...