31 de agosto de 2010

(des)manchando a própria imagem


Há um compartimento confuso em mim. Um cômodo obscuro, inundado de neblina, gotas pingando do teto e do corpo. No canto, em traços indefinidos, um homem. Um pai, a quem não se abraça? Um amigo, cheio de afazeres? Um desconhecido, desejando promiscuidade? Um namorado, desmanchando sonhos?

Acordei. Vi o sol e a rua me convidando para outras traquinagens. Mas meu corpo não esconde um certo peso, nos ombros e no olhar. Se pecar ainda adianta, levarei adiante o que de mim tinha ficado para trás. Levar devaneios para o jardim refresca os (r)humores desconcertados.

Lento e calmo descansa... Cor ação. Estou mago. Rins de mim. Dê do bom. A braço e mão. Um bingo perdido. Tem dois encurtados. Quão fragmentado está esse organismo. Mas um dia ele se acha na vida. Talvez um chá acalme esses nervos floridos na pele árida.

Levianamente afago os desatinos, os destinos, os intestinos e os cretinos momentos desse hoje que já finda. Entre uma novela, dois novelos e nove acessos, entendo que devo desistir de ser feliz para sempre.

30 de agosto de 2010

sentimento sem-teto


A cada dia experimento uma nova forma de estar no mundo. Hoje, tomando banho, fechei os olhos... Quando abri, uma impressão de amnésia estalou diante de mim. A percepção momentânea foi de não saber onde estava, qual era meu norte, onde estava a válvula para desligar o chuveiro.

Recomposto do susto de memória, fecho os olhos para a música entrar mais fundo. Sinto que preciso ocupar minhas entranhas com conteúdos, temas e situações que não sejam faladas ou escritas. Preciso de som, prazer e saudade circulando entre meus átomos. Nada em mim pode estar desocupado.

Parece que se assim não for, uma multidão em um se apossa do pouco que sou. Meu telhado pode não resistir à tormenta que se aproxima. Mas não recorrerei a nenhuma divindade, nem a ramos bentos. A perda se faz carne. Quero deixar a tempestade atravessar-me, romper meu telhado, ser todo (m)olhado, (des)locado a contento, sem telas, teias ou telhas.

Foto: Odailso Berté

29 de agosto de 2010

(m)eu menino... nada de saudade


Voa menino, voa pra sua estrela natal
Voa menino, voa por cima do temporal

Sei da saudade que sente do tempo, do coração
Vejo o lamento que mora na sua canção
Eu também tive um sonho que passou
Também sou feiticeiro e cantador
Eu também ouço histórias na voz do tambor

Sei dos seus sonhos perdidos nos olhos da mãe do luar
Conheço o amor infinito que deixou por lá
Eu também tive um rio que secou
Também sou guerreiro e sonhador
Eu também sei cantar pra não gritar de dor

Trecho da música "Estrela Natal" do grupo Tambolelê
Foto: Odailso Berté

28 de agosto de 2010

le temps davant


Não quero que o devir me tire do chão. Nem quero permancer sonhando com o que pode ser que virá sem que ainda tenha desenhado um gosto agradável. Hoje ainda temo lembrar.

Perceber meus traços em processo de maturação é ver o menino que deixei para trás. Por vezes o espelho ainda me mostra os brinquedos, o parreiral, o medo de entrar debaixo da casa, os bonecos de pano.

Toco meus lábios e sinto beijos. Acaricio meus cabelos e sinto perfume de dedos que me faziam dormir. Toco meu peito e presencio cenas suadas. Não desço a mão por saber que seu paradeiro poderá ser emblemático.

Não sei como estarei amanhã... Sedento? Sozinho? Sentado? Sereno? Sóbrio? Silencioso? Surpreso? Suspenso? Sumido? Sei lá... (R)estarei pronto ao meu devir que ainda deve vir e ao qual devo ir.

Foto: Odailso Berté

27 de agosto de 2010

um lar de (pre)posições dançadas


Das improváveis condições
Da mais precária estética
Dos limites instaurados
Das poções sem efeito
Do antídoto inválido
De bater sem abrir
Da brevidade do prazer
Desse corpo que só pede e não dá
Do mesmo mudado
Da alternância estática
Daqueles que se foram
Dos não mencionáveis
Dos pecados listados
Das tentativas sabotadas
Dos musgos não regados
De paredes díspares
Dessa velha casa
Disso que me acolhe
Desse escuro íntimo
Dele que me escondo

Foto: Odailso Berté

pelo menos, ainda se pode sonhar



Pour que tu m'aimes encore - Celine Dion

26 de agosto de 2010

piso e deito neste (con)solo


Passei a tarde e parte da noite esperando alguns apontamentos a respeito das partes adormecidas de afeto que se me reaqueceram nalgum momento do dia. Não chegaram, mas não cheguei a ficar (des)apontando. Só me fez lembrar que ser sincero pode descomprometer a contrapartida de uma relação.

Os risos e lágrimas perante os desenhos animados, as emoções e torcidas diante das premiações de cinema, as júrias e poesia nas palavras ditas e escritas, os presentes afetuosos, a cumplicidade inocente que permitia ser tudo... Nada adiantou. Qual a consistência do ato de substituir o nome do outro pela palavra "amor"? Pergunta que ecoa em ondas no mar bravio da minha encosta afetiva.

Perdi ou encontrei algo, alguém, algoz?

"Se perdem gestos, cartas de amor, malas, parentes
Se perdem vozes, cidades, países, amigos
Romances perdidos
Objetos perdidos
Histórias se perdem
Se perde o que fomos e o que queriamos ser
Se perde o momento
Mas não existe perda
Existe movimento."

Texto recitado pelo personagem Sombra (Luis Miranda) no filme "O Signo da Cidade"
Imagem: "The Rest" de Pablo Picasso
Capturada em:
http://www.art.com/asp/default-asp/_/posters.htm?ui=7DBCDB207ED941F0AA1F914D6601E675

24 de agosto de 2010

saia de papel na chuva ácida


Se eu confessar que não dou conta de mim mesmo, você acreditaria? Não sei ser só. "Tenho medo do escuro, do inseguro, dos fantasmas da minha voz...", como diz a canção de Vanessa da Mata. Tento e me esforço, mas meus enganos me vencem, se alteram e mostram o quão fraco, fanho e franzino sou. Dependente, depressivo, desatinado.

(Re)clamo e (de)monstro que sou (e)terno de façanhas mal pagas, proezas desastradas que indicam o caminho da comédia diária na vida que levo e que me leva também. Minhas (insufi)ciências dizem a todo instante que não fui e não sou suficiente no contato com outro. Deixado! Fora! Indesejado!

O (e)motivo que em mim perece tem olheiras de olhar (m)olhado no fundo dos olhos. Tento escrever diferente, mas artigo definido não sai. Só um indefinido corre tal qual serelepe na minha imaginação. (Re)cortes de momentos bonitos se justapõem a momentos intranquilos. Afeto e violência se dissolvem no mesmo copo de água que tenta matar minha sede, mas ela não cede.

Longe de você, quem sabe, eu consiga instruir meus sentimentos a obedecerem a minha vontade, que se vê aos trancos e barrancos para se manter intacta, ativa e atenta. Porém, seu déficit de atenção aumenta a cada dia e ela esquece de me aquecer. Lacônica e tonta de anseios. Livre para querer tantas outras coisas, mas trancafiada dentro em si, pois de ti, pede todos os dias.

Foto: Odailso Berté

22 de agosto de 2010

Lendo os signos das estrelas humanas


Como se o céu em noite estrelada de Van Gogh fosse (re)pintado para a tela do cinema... Estrelas que se movem, que se perdem, que se doam, que caem, que vivem...

Já está tudo escrito ou podemos mudar alguma coisa? Perdas ou movimento? Somos amados porque somos bons, ou, somos bons porque somos amados? Perguntas tantas trazidos pelo filme "O Signo da Cidade" (BRA, 2009), dirigido por Carlos Alberto Riccelli, com roteiro e atuação de Bruna Lombardi.

Os cacos de histórias humanas bricolados, tecem texturas e (con)textos tétricos, tristes e ternos. Cotidianos alheios conectados pelas minúcias, misérias e meandros humanos. Téca (Bruna Lombardi), uma astróloga e locutora de rádio, corpo que se (ex)põe à relação com os mais diferentes corpos. Ela observa, absorve, interfere, acolhe, afasta... Atravessa e é transpassada pelas afiadas nuances da vida que não pedem licenças para entrar ou sair.

Quando ler estrelas é ler pessoas... Ler corpos celestes pode ser ler corpos terrestes, dado que, também somos compostos por pó de estrela. Ler brilhos, (de)cadências, gestos, palavras, devaneios, mortes súbitas, mortes lentas, revelações que se interpõe e desajustam os detalhes da tranquilidade pretendida. Ler as imagens da vida real e dar conta do signo que elas sugerem. Como é possível ler a complexidade vivida?

Mais interessante ainda, é quando se olha o filme enchergando o próprio rosto refletido na tela. Coincidência efêmera? Destino? Vêr-se no filme e sentir-se parte dos dramas corriqueiros expostos na tela em forma de arte é dizer a mim que estou vivo. Ver os olhos (m)olhados, o peito dormente, os ombros encolhidos... Homem que se (con)funde com o enredo, enredado também.


Obra prima, irmã, tia, amante e mãe! Possibilita pensar que perder é mover... Ler as perdas como movimentos da trajetória, permitindo um sentir mais alargado da vida e, assim, um distencionar das dores. Faz crer que o amor pode nos tornar bons, e não que os juramentos de bondade nos farão amados.

Imagens capturadas em:
http://revistacatorze.com.br/?p=1191
http://grupoviagem.uol.com.br/grv_materia.vxlpub?codmateria=885

desafiando a gravidade


Algo mudou dentro de mim, algo não é o mesmo
Está mudando em processo, não em corte abrupto
Estou jogando pelas regras do jogo de outra pessoa
Quando pronto para me entregar uma recusa me lançou para longe
Tarde demais para repensar, tarde demais para voltar a dormir
Tarde para seguir querendo algo protegido por um muro de lamentações
É hora de confiar nos meus instintos, fechar meus olhos e saltar
Conquistar uma espécie de auto-confiança que me ajudará a ser melhor, só.

É hora de tentar desafiar a gravidade
Dos fatos e não temer as superfícies que se fizerem meu chão
Acho que vou tentar desafiar a gravidade
E correr o risco de cair sabendo das possíveis contusões
Me dê um beijo de adeus, estou desafiando a gravidade
Pois acredito que assim será definitivo
E, desse modo, você não me deixará pra baixo
Mas ajudará a selar o rumo para o qual estou me remetendo.

Estou aceitando limites porque dizem que eles são assim
Aceito esses dizeres, assumo o risco de confiar nos humanos
Algumas coisas eu não posso mudar
E isso ficou bem claro
Mas até eu tentar, nunca vou saber
Tentei, não deu. Sei que a mim, sim, posso mudar
Tanto tempo estive com medo de perder o amor que achei que tinha perdido
Não acho mais, já perdi, me perdi
Bem, se isso é amor, ele vem por um preço muito alto
Minhas economias emocionais não alcançam essa correção monetária.

O que agora pretendo comprar é o desafio à gravidade
E estar preparado para nele investir, caindo em novas paragens.

diálogo com a letra da música "Defying Gravity" (versão Glee)
tema original do musical "Wicked"
imagem capturada em:
http://chameleonnamedlane.blogspot.com/2010/07/stop-this-beat-is-killing-me.html

20 de agosto de 2010

Unusual Way


Se agora, tivesse que responder quem sou, não saberia que termos usar. Não sei ser bom todos os dias. Palavras falsas são traições da experiência. Não quero precisar de um eu conceitual que some quando preciso, que me causa insônia quando tenho pesadelos, que me traz amnésia quando tento dissertar a meus respeitos.

Não consigo tecer boas filosofias em todas as aulas e nem posso redigir boas críticas de tudo o que leio. Sou avesso da normalidade, erro acreditando estar certo e apelo ao capeta quando estou necessitado. Mas sempre os anjos me acolhem em seus braços pois sabem que sou bonzinho.

Acredito que um dia deixarei de pecar só de vez em quando, para melhorar as formas de saborear as delícias da pecadolatria. Amanheço com vontade de acordar vestido de príncipe, mas olho no espelho e vejo o sapo não beijado. É, sou anfíbio às vezes. Mas não tolero perereca.

Ainda procuro aquele jeito incomum que baixou minha guarda, tirou-me a resistência da qual fui herói um dia, inspirado em She-ra, He-man, Mulher Maravilha, Super Homem. Minha inocência se perde por vontade própria, sai com o lobo e deixa a vovó a ver navios de dentro de casa. Esse jeito incomum me consome.

Imagem capturada em:
http://brasilintest.blogspot.com/2008/12/crise.html

19 de agosto de 2010

Coreografia (d)escrita


Dançava ela um tanto atônita, debatendo-se por todos os cantos da casa. Entrava e saía de uma sala escura à procura de quem a tocasse. Excitada ao último grau de sua consciência, como a feia sonhando na vitrine.

Passava pelo corredor apressada, entrava nos quartos, mas ninguém cedia às suas necessidades. Nem altura aceitável ela tinha, baixinha, pitoca, nanica, toquinho, cotôco de gente.

Na sala, ela esperava que os personagens da TV inspirassem alguma (re)ação nos presentes. Mas nada, era como se ela não existisse, ou, existindo, nada causasse em quem quer que fosse.

No banheiro, até o chuveiro parecia negar-se a molhá-la. Nem água, nem gozo, nem suor, nem bebida... Se um líquido lhe fosse possível, seu nome seria lágrima. Pobre bicho...

Descia e subia as escadas procurando um corpo para sobrepor ao seu. Mas nenhum 'pax de deux' lhe foi proposto. Não sei se adiantaria para ela implorar a ajuda de algum santo. Pobre diabo...

Cansada de andar nua, tirou a toalha que a envolvia, vestiu-se, trancou o armário, engoliu a chave, não pagou a conta, morreu de desgosto. Aplausos...

Imagem do livro "Sex" de Madonna

16 de agosto de 2010

Madonna's Day


Uma profusão de amor, picardia e talento
Sempre em voga, estrela através do céu
Mais do que dizer o que sente uma mulher
Ela mostra, se expressa
Das delícias, a mais gostosa torta americana
Santa e pecadora, bela estranha
O diabo não poderia reconhecer você
Sua fama erótica é divina o suficiente
Para revelar ao mundo o segredo do corpo que dança e goza feliz
Seu líquido, suor, líbido é chuva que queima
Neste dia de celebração
Meu desejo é... Voa alto adorada

Imagem: Foto do ensaio de Madonna para Interview Magazine

15 de agosto de 2010

Há quem possa se emocionar


"É tão lindo se emocionar." Uma das frases ditas por uma das dançarinas do Balé do Teatro Castro Alves durante o Espetáculo "A quem possa interessar", inteligentemente coreografado por Henrique Rodovalho, sob direção artística de Jorge Vermelho e estreado nos dias 13 e 14 de agosto em Salvador.

A pergunta que me ocorria durante o espetáculo era: A quem poderá interessar as diferentes histórias de vida dos diversos corpos em cena? A resposta ainda vem sendo construída...

Como quem diz que a dança contemporânea pode ser feita a partir de um apaixonado namoro com o cotidiano, coreógrafo e dançarinos trouxeram à cena movimentações, falas e cantos que soam como trechos de histórias de vida, narrativas pessoais sem caricaturas, sentimentos que transcendem a esfera individual fazendo-se tão social e comunitário, pois tratam de situações comuns aos humanos. Interessando, portanto, aos presentes e, de certa forma, aos ausentes.

Assumir questões pessoais como mote para o enredo de um espetáculo, pode ser um desafio que não dá garantias de onde vai chegar. As surpresas do devir de cada um dos envolvidos pode (des)concertar o trajeto comum da composição. Isso confere ao espetáculo um certo tom que difere dos enredos clássicos, pois, além dos conteúdos individuais, agrega um conteúdo novo provindo da fricçao surgida na bricolagem entre as diferentes histórias. Não se trata de um ajuntamento, mas de um tratamento estético que qualifica a junção das pequenas histórias.

Soando como um tímido abraço de boas vindas de quem quer compartilhar segredos, o público é recebido com uma carta endereçada 'a quem possa interessar'. E diferentes segredos e situações de vida são compartilhados com os espectadores ao longo do enredo.

O talentoso coreógrafo goiano, da Companhia Quasar, e o corpo de baile baiano do TCA, a partir de um jeito contemporâeno de fazer dança, próximo do que mestres como Pina Bausch já fizeram, traduzem a vida em forma de dança e, longe de pretensões virtuosas, reconhecem as possibilidades de cada um e sugerem que viver, conhecer-se e dar-se a conhecer pode ser bem interessante para quem quer que seja.

Imagem capturada em:
http://plugcultura.wordpress.com/page/25/?archives-list&archives-type=tags

Dimmy Kieer... mágica de boné e borboletas


O brilho da Diva tocou fundo. Dimmy Kieer invadiu o palco, a festa, as emoções todas. A estrela protagonizada por Dicesar avermelhou o ambiente com sua performance inebriante, arrojada e valorizadora da causa homoafetiva.

Dimmy Kieer (en)cantou, dançou e mostrou com cada detalhe da sua exuberante composição que, como canta Pepeu Gomes, "ser um homem feminino não fere o lado masculino". A Drag Queen personifica firmeza, ternura e um sentido estético que atravessam as definições de gênero.

Com seu jeito simples, simpático e sensato, Dicesar deu a conhecer, no dia 14/08 no Bahia Café Hall - Salvador, o reverso da transformação da Drag Queen. Aos poucos, embalada pelo hit 'I will survive', a linda mulher Dimmy Kieer ia exibindo o belo homem Dicésar envolto em uma comovente tranparência de ser o que se é sem medo algum.

Uma identidade diversa e livre. Um corpo sem fronteiras que pinta na própria pele e expressa nos próprios gestos um jeito de ser humano que transcende as convenções normativas e sexistas que buscam determinar nossos modos de ser.

No sentido de que "o melhor é o dia seguinte", Dicesar e Dimmy Kieer inundaram o ambiente com o perfume da auto-estima e da beleza das diferenças. Como se as borboletas voassem dos cabelos de Dimmy espalhando um perfume gostoso, fazendo todos os presentes se sentirem flores raras no jardim da diversidade...

E as borboletas de Dimmy, magicamente, se transformaram no inconfundível boné que cobre a cabeça de Dicesar, aquecendo idéias e muita criatividade para seguir surpreendendo e contagiando muita gente com sensualidade, arte e esperança para os dias seguintes.

Imagem capturada em:
http://pheeno.com.br/lifestyle/dicesar-agita-parada-pela-diversidade-sexual-em-fortaleza

14 de agosto de 2010

Chá na manhã de sábado



Na manhã deste sábado soteropolitano, me reportei para o frio do sul ao experimentar o "Chá de Frutas Vermelhas". Foi bom perceber que o tempo passa mas não apaga as boas lembranças de um amor. Pode ser bom (des)enterrá-las e (re)visitá-las...

Curta "Chá de Frutas Vermelhas"
Direção de Duca Leindecker

13 de agosto de 2010

lactências em uma noite de sexta-feira 13


Fecho os meus olhos
A caverna e o coração
Perdidos entre um sim e um não
Na calada da noite preta
Deus, Deus, Deus
Aonde eu vim parar
À noite preta vou me entregar


Noite Preta - Vange Leonel

aleatórios tempos verbais


Quando penso na dança que faço, logo lembro da pergunta que instaurei. Quando digo que a perturbação é prima da masturbação, sinto meu cérebro ser massageado pela mais autêntica auto-crítica. Pois hoje, o ato de perturbar não me nega esse parentesco.

Quando em um filme algo me emociona, digo que tem a ver comigo, seja cena feliz ou triste. Elevo minha atenção ao mais alto grau, como se eu mesmo protagonizasse a história. Típica sensação de quem se perde em mundo imaginários.

Se os livros que leio mudassem minha vida, juro que não leria mais histórias de amor, elas consomem os sonhos e comem as vontades mais verdadeiras. Mas de vez em quando espio um romance fajuto ou uma comédia romântica adaptada.

Vasculho lugares em mim buscando os textos que gostaria de dizer, os termos que gostaria de prever, os testemunhos que não gostaria de presenciar. Lento e calmo, mas bagunçado em alguma extremidade, vejo o que ainda tenho por fazer, olho para os lugares que passei e digo calado que preciso ascender.

Organizo minhas idéias para não me faltar modelos e truques quando chega o aperto. Danço porque é uma forma consciente que tenho de pensar e mostrar. Para não sucumbir aos caprichos que teimam em me deixar à mercê, deixo meu coração latejar suas raivas, seus afetos contraídos. Um homem sabe quando retirar sua beleza da mesa, mesmo quando sabe que o molho derramado na toalha deixará manchas.

Oferto novos banquetes e convido os mais improváveis, pois reza a prece que eles são herdeiros de um reino. E como sempre, as histórias encantadas me encantam, me deixam até redundante. Escrevo assim para contentar os desejos ínfimos de expressão que novamente voltam cabisbaixos para o camarim com o figurino manchado, pois por hoje, sexta-feira 13, já dançaram o suficiente.

Imagem capturada em:
http://babushka.blogs.sapo.pt/arquivo/2005_10.html

12 de agosto de 2010

abraçando uma procura


Sempre chega a hora da solidão
Sempre chega a hora de arrumar o armário
Sempre chega a hora do poeta a plêiade
Sempre chega a hora em que o camelo tem sede

O tempo passa e engraxa a gastura do sapato
Na pressa a gente nem nota que a lua muda de formato
Pessoas passam por mim pra pegar o metrô
Confundo a vida ser um longa-metragem
O diretor segue seu destino de cortar as cenas
E o velho vai ficando fraco esvaziando os frascos
E já não vai mais ao cinema

A idade aponta na falha dos cabelos
Outro mês aponta na folha do calendário
As senhoras vão trocando o vestuário
As meninas viram a página do diário

O tempo faz tudo valer a pena
E nem o erro é desperdício
Tudo cresce e o início
Deixa de ser início
E vai chegando ao meio
Aí começo a pensar que nada tem fim...

Trechos da música "O avesso dos ponteiros" - Ana Carolina
Imagem do Espetáculo 'Café Muller' de Pina Bausch
Foto de Bernd Thissen
Capturada em:
http://portoalegreciadedanca.blogspot.com/2009/06/pina-bausch-30-junho-2009.html

sobras de guerra


Já andei por tantas terras
Já venci mil guerras
Já levei porradas, dominei meu medo
Já cavei trincheiras no meu coração
Descobri nos pesadelos sonhos mutilados
E acordei no meio de anjos cansados
De serem usados pela solidão

Trecho da música "Campo Minado" - Jessé
Imagem capturada em:
http://blogs.jovempan.uol.com.br/poeta/geral/quem-chora-por-isabela/

porque te vi com tanto bem


Bem te vi, bem te vi
Andar por um jardim em flor
Chamando os bichos de amor
Tua boca pingava mel
Bem te quis, bem te quis
E ainda quero muito mais
Maior que a imensidão da paz
Bem maior que o sol
Onde estás?
Voei por este céu azul
Andei estradas do além
Onde estará meu bem?
Onde estás?
Nas nuvens ou na insensatez
Me beije só mais uma vez
Depois volte prá lá.

Letra da Música "Jardim da Fantasia" - Paulinho Pedra Azul
Foto: João Dalla Rosa Júnior

11 de agosto de 2010

por um vôo pássaro


Não sei se o meu eu em você percebeu, mas ontem abri uma nova gaveta, pois aquela, aberta a partir de você em mim, já estava cheia de si e eu dela. Muito embora, ela me faz doce, poético e apaixonado. Mas também sofrido, com um band-aid no rosto e um curativo no peito.

Penso em não mais guardar escritos nela. Pode ser que seja difícil, mas quero tentar. Deixando esse armário um pouco de lado, olho para fora. Vejo, ao longe, aquela rodoviária e minha despedida das férias em que já sentia uma lacuna mostrando as asas.

Dito e feito. Igual a um passarinho que fez um ninho e depois voou. Mas o ninho em mim seguirá quente, esperando o vôo pássaro de um eu para mim que pode vir ou voltar. Lentamente fecho o olhar. Fecho a gaveta.

Gavetas e ninhos... Metáforas que preenchem linhas e a imaginação que se (re)inventa para repaginar as laudas do humor, do jeito de ser, do cotidiano guia. Conforto esse (m)eu (im)pessoal querendo o frescor de asas que se acheguem para aninhar-me com sentidos e alentos.

Foto: Wolney Fernandes

10 de agosto de 2010

Chat Noir


Sigo aqui. Lavo, sujo, molho, enxugo, cozinho, como. Como eu não sei. Serei se souber alertar-me das contingências desse cotidiano redundante. Redondo de coisas pontiagudas, pontudas e agudas, mas asperamente apetitosas, aveludadas e sedosas.

Meus pelos negros decidem arrepiar-se e se põem de ponta excitada, lisos e macios sem carecer tratamento. São de natureza dualista, flexível e extremista. Gato de lua, leão de reinado, leopardo de mato, onça de pintas, pantera da noite, puma de marca, lince de riso. Personalidade felina.

O olhar é o mesmo, mas o querer é mutante. Lembranças expurgo, miados ao vento, saltos nas sombras, leveza ao passar. Minha presença se enche de si, de mim, de ti, devolve elogios, alimenta os olhares, ameaça os comuns toleráveis.

A vontade é sair da cidade, procurar a escuridão, a purificação na calada da noite. Manha de gato, na manhã seguinte, seguida de flertes e preparos a dois, a três. Negociações ronronando aleatórias e atônitas, alheias do meu eu, atentas a mim, tentadas por mim.

Gato negro me digo, me deixo, me vou. Com estrelas, lua ou só nuvens, a noite me acolhe, me abençoa e me abraça como mãe. Acordo rolando na grama, sedento por cama, avesso à lama, por beijos reclama, por sexo chama, é bicho que ama.

Foto: Wolney Fernandes

Querendo de longe


Te devoro - Djavan
Como um menino - LS Jack
Porta aberta - Luka
Folhas secas - Maskavo
Com você tudo fica melhor - Sandra de Sá

Quer saber se eu quero outra vida? Não.
Assim como um menino que não sabe esperar
O rádio mudo e a TV sem cor...
Ver passar é me ver mais feliz
Sorria e me dava o mundo sem saber

Foto: João Dalla Rosa Júnior

8 de agosto de 2010

6 de agosto de 2010

lutos e lutas


En ausencia de ti - Laura Pausini
Si tu no vuelves - Miguel Bosé e Shakira
Eu posso quase tudo - Sandy e Júnior
How do I live - Trisha Yearwood
I still believe - Mariah Carey

Como árvore desnuda com raízes que secarão
Vontade que se fará pequena
Posso lutar e nunca vencer
Sem sol no céu, sem amor na vida
Mas ainda acredito, algum dia...

Imagem do Espetáculo 'Vollmond' de Pina Bausch
Capturada em:
http://pt.mondediplo.com/spip.php?article188

Interrogações risonhas


Alheio aos sentimentos que repelem meu jeito bom de querer, acordei com rumores embaixo do meu travesseiro. Eram minhas incognitas e minhas dúvidas falando mal de mim. Fiquei surpreso e elas perplexas por terem sido apanhadas naquela situação.

Constrangido, mas, no intuito de quebrar o gelo, convidei-as para tomar um chá comigo. Como boas atrizes, aceitaram sorridentes e com prontidão. Pontuias e bem vestidas, chegaram às 5 horas. Engolindo o nó na garganta, chamei-as à mesa. Olhares. Suspiros. Pontos de interrogação soltos no ar.

A que devemos a graça deste convite, perguntaram as incognitas. Pensando bem antes de falar, tentei sorrir e disse: "Talvez, por uma necessidade pessoal de atenção filosófica e afetiva". Minha resposta não as convenceu. Sentindo o clima pesar, as dúvidas pediram a palavra e propuseram uma trégua.

Sem entender a proposta e anciosos para saborear o chá, conduzimos as xícaras até nossos lábios. Para a surpresa de todos, o chá estava gelado. Os olhares se cruzaram, os pontos de interrogação se inflamaram, mas ninguém ousou dizer uma só palavra.

Sem nenhum elogiu a fazer, as dúvidas me olharam com certa ternura e perguntaram: "Que pretendes fazer de hoje em diante, menino, se teu prazer pulula de canto em canto, tua poesia soa como recados inertes e tua liberdade desponta como brincadeira enfadonha?"

Levantei-me para responder, mas solucei, perdi as palavras, baixei a cabeça. Percebendo minha emoção meio ensaiada, as dúvidas se aproximaram, tocaram minhas mãos, pés e cabeça e disseram: "Teu ceticismo precisa descer dois degraus, tirar os sapatos, sentar no tapete e procurar o anel que tu perdestes. Ele é de vidro mas não se quebrou. Todavia, encontrá-lo não te trás garantias."

O silêncio tomou conta de vez do ambiente. Minhas convidadas foram saindo uma a uma, em doce e amigável despedida. Fiquei sozinho à mesa, desenhando um rosto em sobras de pão sobre a mesa, encarando olhos imaginários e respirando pontos de interrogação que riam de mim soltos pelo ar.


Imagens: ilustrações de Luiz Zerbini para o livro "Alice no País das Maravilhas" (Lewis Carroll) publicado pela Cosacnaify.
Capturadas em:
http://editora.cosacnaify.com.br/blog/?tag=paul-mccartney
http://mariaestilo.blogspot.com/2009/12/lancamento-do-livro-alice-no-pais-das.html

4 de agosto de 2010

Beijos ao vento


Apartando-me de parte de mim, distanciando-me do que diz tanto, lido com ausências estabelecendo presenças. Não na mesma proporção, proponho instantes pequenos para fugir do amor e fingir toques serenos de beijos ao vento.

Bebo cantigas e ouço o cantil que antes ecoava sons molhados, dos telhados da minha infância. A chuva ainda traz saudades boas, de quando ainda era bom imaginar, não assustavam as fantasias, hoje fantasmas.

Pedindo para que o filme termine logo, o cinema me inunda sem acariciar meu ego estético. Pesam os pêsames dos dramas, comédias e romances. Nem as animações parecem animar como outrora.

Mas, apenas aprendo a lidar com saudades que eu mesmo inventei, de amores que idealizei, de sonhos que projetei, de vontades que senti, de realidades que não avistei. Verdades que minha percepção não alcançou. Preferências que meu paladar esqueceu. Permanências que meu tato automatizou.

De resto, pairam esperanças que esperam e surgem com o sol quando abro a janela. Acenam para mim em uma cena grotesca, descem a ladeira e somem na curva. Mas gritam para que eu as alcance, pois hão de me esperar em um ponto qualquer da estrada. Não posso cansar antes de lá...

Imagem capturada em:
http://dancandocomreinaldo.blogspot.com/2007_05_20_archive.html

1 de agosto de 2010

não sou Frida mas tenho Kahlos


Devagar e com pesar os medos abriram a porta dos fundos e foram saindo. Resignado, o último deles, envolvido com sexo e amor, me olhou por cima do ombro e disse, em tom de ameaça, que voltaria, disfarçado, de modo que não poderia reconhecê-lo.

Concordei baixando a cabeça, não chorei como gostaria. E lá se foram eles, cada um por uma rua, não saíram de mãos dadas. Entre eles haviam desavenças imperdoáveis. Era para eu ter acordado com uma sensação destemida, mas acordei sujo de tinta, um jeito frida, meio kahlo de ser.

Não sei pintar, tampouco me ocupo com autoretratos, mas amo as cores e também padeço de dores. Coisa comum para humanos? Nem todos. Minhas sobrancelhas são densas na expressão, mas não se tocam. Quisera eu sobrancelhas em forma de andorinha, ter um pássado gravado na testa.

No meu corpo, que, por enquanto, só sofreu acidentes afetivos e foi transpassado por barras de ferro humano, ficaram vários traços, pinturas de tato, respingos de dedos, adornos tantos que nem sei o tom. Mas sinto que todos me desenham como sou.

Autoretratado por outro, avesso dos meus desejos, contrário do que pode ser, lugar outro que habito sem estar, legítimo anseio que falseia minha rotina em expectativas tensas, tolas e tétricas. Amigo de mim, eu em fragmentos, pintura de cacos, bricolagem de alentos.

Bela experiência (est)ética, humana forma de fruir e gozar. Sorriso num retrato preto e branco, moço com brinco de penas. Um olhar por cima do ombro, atento ao medo disfarçado que pode estar dançando comigo. Viva la vida...

Imagem: desenho de Wolney Fernandes