1 de agosto de 2010

não sou Frida mas tenho Kahlos


Devagar e com pesar os medos abriram a porta dos fundos e foram saindo. Resignado, o último deles, envolvido com sexo e amor, me olhou por cima do ombro e disse, em tom de ameaça, que voltaria, disfarçado, de modo que não poderia reconhecê-lo.

Concordei baixando a cabeça, não chorei como gostaria. E lá se foram eles, cada um por uma rua, não saíram de mãos dadas. Entre eles haviam desavenças imperdoáveis. Era para eu ter acordado com uma sensação destemida, mas acordei sujo de tinta, um jeito frida, meio kahlo de ser.

Não sei pintar, tampouco me ocupo com autoretratos, mas amo as cores e também padeço de dores. Coisa comum para humanos? Nem todos. Minhas sobrancelhas são densas na expressão, mas não se tocam. Quisera eu sobrancelhas em forma de andorinha, ter um pássado gravado na testa.

No meu corpo, que, por enquanto, só sofreu acidentes afetivos e foi transpassado por barras de ferro humano, ficaram vários traços, pinturas de tato, respingos de dedos, adornos tantos que nem sei o tom. Mas sinto que todos me desenham como sou.

Autoretratado por outro, avesso dos meus desejos, contrário do que pode ser, lugar outro que habito sem estar, legítimo anseio que falseia minha rotina em expectativas tensas, tolas e tétricas. Amigo de mim, eu em fragmentos, pintura de cacos, bricolagem de alentos.

Bela experiência (est)ética, humana forma de fruir e gozar. Sorriso num retrato preto e branco, moço com brinco de penas. Um olhar por cima do ombro, atento ao medo disfarçado que pode estar dançando comigo. Viva la vida...

Imagem: desenho de Wolney Fernandes

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