14 de julho de 2014

(in/re)flexões sobre uma mostra de dança



De 'um filme, um objeto, um círculo, um quadrado', para uma 'torta de amora', um 'stillo' ousado, um 'aripuruc' lindo como 'a mesa verde' do querido Jooss... Algo 'moderadamente lento, seresteiro' beijou-me os olhos ao passo que algo 'orbital' mudou-me o foco... 'Me deixe ver seus olhos' foi um singelo pedido em forma de movimentos que, sim, entre lágrimas transportou-me para outro modo de ver 'a olho nu'. Com 'vela sobre água' senti-me instigado, tocado por 'alguma coisa nossa' que, entre 'concepção urbana' e 'corpo nordestino', possibilitam pensar-dizer, aqui, algo do que lá senti.

Prestigiar formas de organização coreográfica, perceber diferentes modos de composição e interpretar diversificados caminhos e afetos que podem ter desencadeado processos, são ações viáveis quando nos deparamos com trabalhos pungentes de significações. Me refiro aos trabalhos apresentados na I Mostra Artística dos Alunos dos Cursos de Licenciatura e Bacharelado em Dança da Universidade Federal de Santa Maria, no Teatro Caixa Preta, em 10 de julho de 2014.

Complexidades, cotidianidades, musicalidades e culturalidades se transfiguraram na cena e possibilitam-me ver a(s) dança(s) como imagens do e no corpo que podem aludir e iludir, agradar e agredir, imitar e limitar... Os modos de ver e compreender a dança são tão infindos quanto os modos de vida que com ela se relacionam, ou seja, quanto os corpos que assistem/percebem os corpos que dançam.

Trabalhos como 'a olho nu', 'aripuruc', 'torta de amora' e 'moderadamente lento, seresteiro' produzem uma densidade cinestésica, acometem a imaginação e desdobram diferentes ideias acerca de relações interpessoais, de desejos e escolhas que conformam subjetividades. 'Um filme...', 'vela sobre água' e 'orbital' são construtos coreográficos instigantes que provocam o pensamento deixando reticências poéticas, vontades de ver mais.

'Alguma coisa nossa' e 'corpo nordestino...' atentam para traços celebrativos, festas do corpo que estão tão dentro quanto fora, no quarto e na praça, no eu e no grupo. 'Stillo' assalta a percepção ao borrar fronteiras de feminino e masculino, ao desfilar no palco uma política queer, ao esboçar reposicionamentos de discursos, gestos e imagens da cultura pop muitas vezes taxada de mercadoria alienante por certos discursos acadêmicos tão enfadonhos e deterministas. 'Me deixe ver seus olhos', 'partida' e 'por bendizer-te' sugerem diferentes modos de lidar coreograficamente com a singeleza, a serenidade, a saudade, sentimentos/afetos tão dignos quanto os pensamentos/ideias.  

Entre processos e produtos, construções e construtos, aqueles corpos mostraram seus feitos, ações que estão se fazendo, outras ainda por fazer e/ou refazer. A potência e a perspicácia desses jovens dançarinos alargam as possibilidades de constante (des/re)construção da dança como arte e área de conhecimento. Dos trabalhos não citados aqui, não significa que não tenham excitado a percepção e a imaginação, trata-se apenas das diferente formas de eloquência, dialogicidade e interação que, no conjunto, proporcionaram.

Diante desses instigantes potenciais, emergem sonhos, projetos, produtos e outros processos ainda em devir. Renova-se uma escolha que em momento algum deixa olhar pra trás como forma de arrependimento. Escolher a dança como projeto de vida, área de atuação, modo de comunicar-se com o mundo, fortifica-se diante de danças assim.

Odailso Berté
Coreógrafo e Professor de Dança
Doutorando em Arte e Cultura Visual
Mestre em Dança
Especialista em Dança
Licenciado em Filosofia

Foto: Giacomo Giacomini
Dançarinos: Amanda Silveira e Crystian Castro