20 de março de 2014

Entre brumas, cores e estrelas, a magia de um carnaval


Nos dias em que me encontrava absorto e meio embevecido principiando a leitura da obra O Tempo e o Vento, há uns trinta dias atrás, um convite me foi feito: criar uma coreografia de comissão de frente para o desfile de carnaval de uma Escola de Samba da terra de Erico Verissimo. Mal sabia eu que as palavras iniciais de Erico em sua saga referindo-se a “uma noite fria de lua cheia” onde “as estrelas cintilavam sobre a cidade”, ganhariam um sentido todo especial na noite envolta em brumas na qual a Imperatriz completou a figura de seu hexágono dourado de estrelas.

Para compor a coreografia em torno de um caldeirão mágico que enredava os primórdios da história da maquiagem, busquei inspiração nas palavras de Marion Zimmer Bradley e nas imagens de Uli Edel quando estes, em forma de literatura e cinema, desvelam aos nossos sentidos “As Brumas de Avalon”. Poéticos gestos dos magos Morgana e Merlin enfeitiçaram a composição coreográfica que, junto ao belo contexto de toda a Escola, levou para a avenida do samba um espetáculo cheio de encantos, cores e movimentos.

O mergulho na noite fria de 15 de março de 2014 tornou-se literalmente mágico e misterioso quando, ao sair do pavilhão e descer a rua do Parque de Exposições rumo ao sambódromo, notei que tudo ao redor estava envolto por uma densa neblina branca. Era como se as brumas da lendária ilha de Avalon tivessem ressurgido e acampado ali naquele lugar, trazendo consigo as bênçãos, o poder, a mágica de Merlin e Morgana. Um misto de prazer e agonia invadiu-me, uma mistura de adrenalina e nervosismo à flor da pele, ganas inquietas de, bem como ‘Rainhas que à noite se maquiam’, fazer lindas ‘bruxarias na avenida’ em forma de dança.

E foi uma noite memorável onde magos, belos faraós, gueixas, samurais, uma mulher do povo Na’vi, Drag Queens e tantos outros corpos/personagens cheios de brilho e swing aquarelaram fantasias desfilando entre templos, portais, pontes, dragões, ônibus prateados e sapatos alados. Em plena avenida, olhava acima do caldeirão e via os suntuosos faraós – os humanos que dançavam escalando uma pirâmide e os alegóricos que repousavam sentados com as mãos pousadas sobre as pernas. E acima destes, as brumas, frias, brancas, densas, abraçando, envolvendo aquela imensa plêiade de corpos que preenchiam a avenida do samba fazendo seu espetáculo, carnavalizando sonhos, risos, cores, desafios, o suor de muito trabalho e a superação de obstáculos.

Mais um ciclo foi concluído e a Imperatriz, que majestosa se veste de vermelho e branco e é aclamada pela carinhosa comunidade da Zona Norte da cidade de Cruz Alta, recebeu mais uma estrela dourada para adornar sua coroa. Memoráveis são os momentos que experimentei junto daquelas estrelas humanas, pessoas brilhantes que formam esta agremiação carnavalesca. Cada uma dessas estrelas soube, a seu modo, cintilar, sorrir, acolher, trabalhar junto, dar a mão, um beijo, um abraço ou somente demonstrar um ímpeto para abraçar, beijar, estar próximo. No vermelho da paixão do carnaval e no branco pacífico das brumas que naquela noite nos envolviam, paira em meu entorno uma saudade sussurrando lembranças lindas ao pé do ouvido, dizendo que sonhos, magias, encantos e afetos são reais quando pessoas se juntam, superam obstáculos e constroem espetáculos para emocionar a outros.

Odailso Berté
Coreógrafo, professor e pesquisador em dança contemporânea
Doutorando em Arte e Cultura Visual - UFG
Mestre em Dança - UFBA
Especialista em Dança - FAP
Licenciado em Filosofia - UPF