22 de abril de 2011

Paixão de Corpos Tristes


Meu corpo em um triz tece dezenas de aves Marias, Ritas e Fátimas, (des)penadas de tanto acudir os filhotes que sobem e não conseguem descer.

Se a (c)alma me falta, é porque o corpo em quietude lança chamas dormentes e chama de volta os malgrados expulsos do paradisíaco (en)canto em que vivo.

Entre a cruz e a espada pairam cor, ação, fé, dor e tantas coisas mais. A dessemelhança também pode ser mera coincidência quando o mar vermelho se fecha para balanço de ondas.

Esta sexta, de santa tem só a intenção, pois a vontade é de quinta. E o momento em que encontro, me apresento, me contento e dou de ré ao satanás, pois faz sol assim. Deu sim, é bom, daremos todos um jeito nesse meu tempo que está relampejando.

Vou para a rua que me chama a proferir ousadias, para a chuva que me convoca a engolir melhorias, para a cama que me atesta tantas euforias. Ligeiras palavras vão passando pelo canal, mas raras são as que atingem o óvulo, nesse orgasmo lingüístico.

Assim seja. Amém, tiras e verdades retalham, apaixonadamente, a vida sacra desses corpos em um triz tecidos de amor em fios.

Imagem capturada aqui.

21 de abril de 2011

Com Pina Bausch, "para mim tudo é Japão"


Para Pina Bausch não havia limites entre céu e terra, tampouco desmistificações a serem feitas por quem vê um espetáculo seu pela primeira vez. Para esta coreógrafa, um dos gênios que teceu pontes entre os séculos XX e XXI, tudo pode ser motivo para dançar, desde os clichês até as formas mais indiretas de se referir a um conceito, uma pessoa, um lugar.

Em “Ten Chi” (Céu e Terra), espetáculo apresentado no Teatro Alfa em São Paulo, de 11 a 19 de abril de 2011, aparecem alusões muito concretas acerca do Japão experimentado pela coreógrafa e seus dançarinos durante a estadia na cidade de Saitama.


Situações corriqueiras, frases aparentemente esparsas, coreografias que se fazem parecer aleatórias, dramas e risos que aprofundam a atenção do espectador confeccionam uma trama complexa, permeada de poesia e de belas frugalidades humanas.

Um Japão sem gueixas, samurais e sushis óbvios. Um Japão onde a gueixa, o samurai, o sushi, o kimono, o rachi, podem ser eróticos, cômicos, dramáticos, complexos, elegantes e banais. Um Japão povoado de acontecimentos que podem ser sentidos como universais. Um Japão onde a tecnologia, a espiritualidade, o medo de terremoto e a caça às baleias, entre tantas outras, tornam-se situações vinculadas às escolhas que brotam das possibilidades advindas das relações entre corpos (est)éticos.


O sono como ensejo de sonhos, o nado como convite ao mergulho nas especificidades espalhadas pelo cotidiano. Perguntas como “Você sabe roncar?” e “Você sabe o que cai bem com champanhe? Eu!” fazem as situações vividas no palco atingirem um ‘entre-lugar’, que não é, e pode ser, tanto o popular quanto o erudito. Entre as tantas falácias de ‘anti – in – definição’ do que é contemporâneo, vejo na obra de Pina Bausch um exemplo concreto de um pensar-agir contemporâneo.

Uma baleia semi-mergulhada atravessa o palco permitindo espaços para os corpos se moverem. Essa baleia em momento algum é tocada pelos corpos, eles apenas dançam momentos da vida em torno dela, com afetuoso respeito e reconhecimento dos espaços que eles e ela necessitam para dançar e viver. Cálida e continuamente a neve vai caindo e cobrindo o palco de uma brancura esvoaçante. Baleia e bailarinos desenham um nado que em nada foge das doçuras e amarguras da vida, que podem ser vividas do Oiapoque ao Chuí, do Brasil ao Japão, de Ten a Chi.


Mais que ideias prontas a serem desmistificadas, Pina Bausch deixa perguntas que fazem o pensamento e o sentimento seguirem dançando depois do espetáculo.

Imagens capturadas aqui, aqui e aqui.

13 de abril de 2011

Me olhando bem


Recordo poemas e crônicas de Martha Medeiros e me vejo meio desistindo e meio lutando pelo verbo amar. Difícil discorrer precisamente sobre ele quando a conjugação atesta incompatibilidades.

Lentamente, as coisas vão voltando para o lugar, ao soar canções de Daniela Mercury, ao sombrear imagens de vampiros, ao saborear sangue e mercúrio das feridas no âmago do afeto sonhado.

O ontem já não interfere nas conversas de amanhã e muito menos nos devaneios de hoje. Pelo menos não até agora. Depois vemos o que pode vir ainda...

Sem traje a rigor passo por ultrajes inofensivos e me ofendo ao desnudar minha consciência pelada de sonhos e peluda de medos.

Revivo lembranças do colo da mãe, da voz de Natasha, dos passos incertos de uma adolescência santa e inquieta, onde a dança ia e vinha sem dizer ao certo o que queria de mim.

Sou o mesmo com enfeites mais arrojados? A que diabos vendi minha alma? Será que tive alguma um dia?

Parabéns pra mim que, como Adélia Prado, me entendo "bicho de corpo", dançarino de área, amante de berço e dramático de carteirinha.


Foto: Odailso Berté

8 de abril de 2011

Danço, pois do contrário estou perdido


Pina
Pinçou movimentos de perguntas
Pendurou percalços humanos em paredes polidas
Pensou problemas em forma de prazeres
Preferiu passos pequenos
Pediu pedaços de paixão do peito, dos pés e da pele
Primou por percursos primaveris
Passou pouco tempo por aqui
Prometeu possibilidades em dança
Protelou performances pertinentes
Prostrou-se promissora
Permanece nos poros que possuo





Imagens do filme "PINA" de Wim Wenders
Capturadas aqui e aqui.

7 de abril de 2011

Olhos sem face


Pensando em imagens que se deformam ao longo do tempo, vejo alguns semblantes que passaram por mim e sei que se parecem tanto com o retrato de Dorian Gray.

Lugares me marcam, como também canções, toques e afetos. Mas atitudes perversas de omissão, mesmo quando a ferida sara, evidenciam uma cicatriz que se prolonga na lembrança de uma imagem corroída.

Não era pra ser assim, mas somos as escolhas que fazemos. Mesmo que Sartre tenha razão em podermos mudar aquilo que nos fazem, por vezes, somos aquilo que fazem de nós.

Inventar um outro eu é como trocar de alma com uma pintura bonita de si mesmo, é como ser um Narciso nefasto que se vende por tão pouco, se mata crente de que se ama.

É atribuir a responsabilidade de viver e se relacionar a uma imagem bonita de si mesmo, impostora, que se dilui ao menor contato com a verdade.

Ser uma imagem pintada no ensejo da relação e não previamente esboçada com os tons da mera aparência.

Ser uma imagem que me resplandeça sem maquiagens e subterfúgios, desafio inerentemente humano.

Ser uma imagem que permanece no afeto do outro e ali se mantém pela sinceridade da entrega.


Imagem do filme "O Retrato de Dorian Gray"
Capturada aqui.