10 de agosto de 2010
Chat Noir
Sigo aqui. Lavo, sujo, molho, enxugo, cozinho, como. Como eu não sei. Serei se souber alertar-me das contingências desse cotidiano redundante. Redondo de coisas pontiagudas, pontudas e agudas, mas asperamente apetitosas, aveludadas e sedosas.
Meus pelos negros decidem arrepiar-se e se põem de ponta excitada, lisos e macios sem carecer tratamento. São de natureza dualista, flexível e extremista. Gato de lua, leão de reinado, leopardo de mato, onça de pintas, pantera da noite, puma de marca, lince de riso. Personalidade felina.
O olhar é o mesmo, mas o querer é mutante. Lembranças expurgo, miados ao vento, saltos nas sombras, leveza ao passar. Minha presença se enche de si, de mim, de ti, devolve elogios, alimenta os olhares, ameaça os comuns toleráveis.
A vontade é sair da cidade, procurar a escuridão, a purificação na calada da noite. Manha de gato, na manhã seguinte, seguida de flertes e preparos a dois, a três. Negociações ronronando aleatórias e atônitas, alheias do meu eu, atentas a mim, tentadas por mim.
Gato negro me digo, me deixo, me vou. Com estrelas, lua ou só nuvens, a noite me acolhe, me abençoa e me abraça como mãe. Acordo rolando na grama, sedento por cama, avesso à lama, por beijos reclama, por sexo chama, é bicho que ama.
Foto: Wolney Fernandes
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