1 de novembro de 2010
Dil(m)acerando o machismo da política brasileira
Nós queremos precipitar as tempestades e não nos comove a calmaria. O mundo que conhecemos já veio marcado pelos punhais que te expulsam, pela neblina que te atordoa, pelas cinzas que te encobrem. Nós não procuramos asilos nem nos queixamos. Os soluços, os deixamos entre as taças amargas. A metafísica, a cobrimos com véus. Seguimos confiantes com os mistérios que temos, nós que temos a sede das vinhas.
Nós que temos a sede das vinhas somos radicais como as lobas. E enterramos as garras na cabeceira da terra e ouvimos atentas o chamado de nossos filhos à noite. Em homenagem a eles, enluaramos nossos pêlos com as cantigas de nossas avós. Nós que sabemos dos líquidos e das sopas, dos ungüentos, das compressas, das poções, trazemos conosco o vozerio do tempo e construímos labirintos com açúcar.
Dispensamos as reprimendas e os modelos eternos que nos imaginam estátuas ou cisnes. Estamos a oferecer nossos lábios e nossas unhas, nossos corações e nossos punhos, para dividir a chuva, as avenidas, as tribunas e as camas. Temos sonhos intensos e nossa alma é feita de pianos de cauda. Quando nos movemos, produzimos sonatas; quando partimos, trazemos o outono.
Nós conduzimos pássaros sob as pálpebras e nossos seios são peixes, luminosos. Trazemos os suspiros, a febre e a falta de ar, os suores, as fantasias, os silêncios e os espantos. Em cada leito construímos um navio que se lança ao mar com bandeiras próprias e que segue seu rumo como um cometa.
Nós vencemos todas as maldições e trituramos as afrontas. Já não aceitamos as âncoras em nossos porões, os interditos, os estreitos limites. Galopamos sobre as rezas e as mobílias, sobre as heranças e as panelas. Com as fogueiras que nos deram tricotamos estrelas; com as chibatas, traçamos a ventania.
Nós que temos a sede das vinhas emigramos do cotidiano para a história. Somos mulheres inteiras, de trigo, de cobre, de neve, de cetim. Nós somos assim, uma onda pela manhã, um rio ao meio-dia, à tarde, uma avelã, à noite, uma melodia.
Poema "Nós que temos a sede das vinhas" de Marcos Rolim.
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