2 de novembro de 2010

O outro: decifro ou me devora


Quem é esse mundo indecifrável chamado ‘outro’ que, ingenuamente, tentamos habitar? Quem é esse pensamento alheio que, qual menino curioso e encantado, tento decifrar? Quem é esse corpo externo ao meu do qual, por vezes, penso, ilusoriamente, depender minha felicidade?

Alteridade é uma necessidade, um perigo, um luxo, uma atrocidade. Alteridade é sempre uma curva após a qual nunca se sabe o que é que vem. O outro é sempre um campo minado de surpresas, sobre o qual, ao menor passo, estrondos, implosões e explosões, causadas ou acidentais, podem detonar nossas bases.

Aventurar-se no outro é assumir um ‘Indiana Jones’ disposto a enfrentar perigos, desbravar territórios obscuros, navegar mares bravios e encantar-se com descobertas memoráveis. O outro é sempre esse terreno movediço, esse lugar inseguro, esse país das maravilhas no qual somos sempre estrangeiros, forasteiros e desbravadores clandestinos, que usurpam ou são devorados vivos.

O outro, pelo qual vivo, morro, movo causas a favor, promovo motins contra, sabota minha pureza já desvalida. Essa inocência não mais pura, saudosa do estupro, hoje, já começa a entender de espaços, limites e possibilidades. Viver como ‘aquelas da intuição’ ajuda até um certo momento. Todavia, se a racionalidade não rega o canteiro da alteridade, viveremos gostando de ser castigados pelo supremo outro que nós mesmos colocamos no trono.

Abaixo o outro. Em cima. Dentro ou fora. Demos-lhe a devida posição para um bel prazer que não destoe nossa dignidade. Afinal, tenho outro para mim e sou o outro de alguém.

Parafraseando Will Goya, 'amar não é desejar o outro como a si mesmo, é fazer do amado o primeiro e de si mesmo o outro'.


Foto: Carmi Silva e Odailso Berté

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