Madonna rezando o Ato de Contrição?
Um homem excitado?
Um Cristo negro, nu?Homens em trajes e trejeitos femininos?
Madonna crucificada?
Dois homens comendo uma mesma maçã ("o fruto proibido"), prenunciando um beijo (o ósculo da paz)?
Homens praticando sodomia?
Madonna pedindo perdão?
Madonna chorando lágrimas de sangue?
Terá ela perdido o controle?
É uma garota má?
Deveria ela agir assim?
Ela se desviou? Sua inibição sumiu?
O fato é que...
It's so hypnotic!
It's so erotic!
Hipnóticas e eróticas, as imagens dizem, mostram, questionam, interpelam, seduzem, possibilitam e ascendem falas e falos, preces e pressas, jaculatórias precoces e ejaculações premeditadas.
Credo em cruz! A simbologia articulada transfigura mística e erótica, sagrado e profano, rito e mito, fé e afeto, corpo e consagração, tensão e tesão. Separações nas quais insistimos e que certas mulheres, cheias de graça, tem isso tão bem ajuntado.
Em seu poema "Festa do corpo de Deus", Adélia Prado diz:
"Jesus tem um para de nádegas [...], o corpo humano de Deus. [...] Nisto consiste o crime, em fotografar uma mulher gozando e dizer: eis a face do pecado. Por séculos os demônios porfiaram em nos cegar com este embuste. E teu corpo na cruz, suspenso. E teu corpo na cruz, sem panos [...]. Eu te adoro, ó salvador meu [...], o que dizes é amor, amor do corpo, amor."
Sem comparações entre Adélias e Madonnas, imagens, ideias e sentidos entrelaçam-se suscitando e excitando ações, dizeres e prazeres.
Como de devasso e devoto cada um tem um pouco, agora é um macho que me espreita o pensar: Giorgio Agamben, com seu "Elogio da Profanação" diz que profanar significa restituir ao livre uso as coisas que foram tiradas da esfera do direito humano. Uma forma simples de profanação se dá através do contato, um tocar que desencanta e devolve ao uso aquilo que o sagrado havia separado e petrificado. Profanar: ignorar separações, ou, fazer delas um uso particular.
E quantas tem sido as situações, instituições, educações e orações que demarcaram separações, proibições e repressões em nossos corpos... De cores, amores, sabores, saberes, poderes e prazeres.
São encorajadoras as imagens que excitam e incitam o uso, o contato, o brincar, o profanar, o trazer de volta para o comum possibilidades, direitos, sentimentos e gestos que nos foram tirados, tolidos, sacrificados em altares de puro interesse.
Quando Madonna, Adélia e Giorgio se encontram em minha teia de imagens-ideias, o comportamento dança e atenta para fazer-pensar além das obviedades e conveniências inventadas pela nossa criativa cultura. Inventores somos todos. (Re)inventar podemos todos.
No music video "Girl Gone Wild", Madonna e o grupo de dançarinos Kazaky balançam as bases de preconceitos e preceitos, cruzando homoafetividade, corpo, erotismo, imagens, símbolos e textos sagrados. Um uso peculiar, um jeito particular de profanar, de desafiar e propor desfronteirizações, desconstruções e humanizações que, por incrível que pareça aos mais devotos que devassos, nada tem de pecaminoso e malvado. Bem pelo contrário.
Fazendo recordar de Like a Prayer, Vogue, Erótica, Justify My Love e Human Nature, Madonna reforça a pequena e poderosa coincidência de ter o mesmo nome que Nossa Senhora. De ser associada a um nome sagrado, ao passo que é vista, por muitos, como profana. O que, depois de Agamben, vira um glorioso elogio.
Salve Rainha (do pop), mulher que causa discórdia.
Quem é esta que avança como a aurora?
Ave Madonna, cheia de Graça!
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