A
abertura de sentidos de uma obra de arte se dá em detrimento de seus
significados preestabelecidos (sic), já dizia Eco, não a ninfa, o senhor
italiano, aquele que pode ser nobel de literatura esse ano.
A
arte é inocente da obscuridade que projetamos num espetáculo. Esse negócio de
luzes sobre a sensibilidade, de redução do sublime ao objetivo, é simplesmente
absurdo. Claro que todos nós, em maior ou menor medida, nos sentimos burros
diante de fatos com os quais não sabemos o que fazer: em qual gaveta do meu
pensamento cotidiano irei colocar um bailarino sendo lenta e sincopadamente desenrolado
por uma longa mangueira de jardinagem? Pessoas passando umas pelas outras com
um sapato de salto alto em cima da cabeça? Na gaveta do absurdo, do nonsense - alguém responderia. De fato,
é um tanto isso que a arte se propõe explorar – o absurdo.
Mas
o preocupante é quando esse engavetamento de impressões não consegue se
desgarrar do cotidiano, quando ficamos simplesmente estupefatos com o fato de
estarmos esperando o desvelamento dessa coisa mística que é a arte, e vermos,
ora essa, uma inexplicável mangueira de jardim.
É
claro que a mangueira, no caso, pode ser uma referência (in)direta às bandagens que se
enrolavam e desenrolavam em torno de Frida após seu acidente de bonde, e a
expressão de tédio profundo do bailarino é demasiado próxima a de Hayek na cena
equivalente no filme (FRIDA, 2002). A mangueira volta no final, como o clássico
fechamento do (ou início de um novo) círculo, só que agora envolve outro dançarino e - minha opinião - a remontagem de uma das telas de Frida. É quase claro, pra
mim, que aqueles sapatos em cima da cabeça formavam um ângulo de cunha com as
mãos dos dançarinos e insinuavam sombrinhas burguesas em meio a convenções
sociais de época: a introdução de Frida aos salões, quem sabe. Mas a despeito
desses significados, ou possíveis significados, o preocupante é que muitas vezes a
estupefação chega a interromper o fruir estético, ou mesmo aquela sensação de
tentar fingir que sabia o que estava acontecendo infunde-se em nossa visão do
agora.
Saber, no fim, não é a questão. Se
você não conhece a biografia de Frida, não deve esperar que um espetáculo lha
forneça. Mas, veja bem, nem por isso o espetáculo deixa de ser uma narrativa,
nem por isso ele não narra Frida. E, enquanto, uma narrativa pictórica e
corporal que ele é, nos trará impressões mais diretas ainda que palavras, já
que sem elas não há perda de tradução, e até mesmo aqueles que nunca ouviram
falar de Frida podem sentir o que cada um daqueles lindos personagens, lúdicos
e enfermos, que se fundiam e se
visitavam, expressava, e como cada um narrava uma Frida com seu próprio
corpo.
E que há de mal em se perder? Que há
de mal em suas lágrimas caírem e você não saber se é por compaixão biográfica
ou paixão estética?
Os quadros, as cores, os sofreres e os
traços de Frida passeavam nas feições, motes gestuais, e ritmos dos moços e das
moças dançantes. Passeadores entre flores, as flores nossas e de Frida.
Havia
mo(vi)mentos nos quais era o puro corpo falando e nós espectadores entrávamos
numa espécie de transe ancestral diante do movimento de sons e corpos. E no
fundo era isso o que senti com toda a força e me arrebatou na noite de sexta
(02/10): o movimento. A capacidade da dança compor uma narrativa dinâmica e
arrebatadora me impressionou, pois costumo buscar tal coisa em literatura, ou
seja, em palavras. Ali era tudo gestos, uma beleza que nos fazia ora sorrisos
despronvindos de razões ora lágrimas inexplicadas.
Review
do espetáculo Me Kahlo Sashay Away, direção
de Odailso Berté, criação e produção do Laboratório Investigativo de Criações
Contemporâneas em Dança (LICCDA), do Curso de Dança – Licenciatura da UFSM. O
grupo promete ainda para esse mês de outubro algumas intervenções no cotidiano
de nossa Santa Maria com especial intuito de abrir o debate acerca da
dança/arte contemporânea. Atentemo-nos, e aguardemos as bonitezas que ainda
estão por vir.
Por GIONATAN PACHEGO
Bacharel em Filosofia - UFSM
Por GIONATAN PACHEGO
Bacharel em Filosofia - UFSM
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