Frame do filme Moonlight (2017)
A vontade era de ficar quieto, guardar lá dentro... Chorar sozinho, não emitir uma palavra sequer... Mas há narrativas, imagens, experiências que transbordam, transformam, transportam, e quando é assim, não há corpo que resista... Moonlight: sob a luz do luar.
A intensidade das minúcias, dos silêncios, dos olhares, da sinceridade de cada corpo, do azul do mar, do azul do luar, do calor e do tom das peles.
O contexto: a problemática racial, o bullying, a homofobia, a masculinização forçada, violenta e segregadora. Uma história sem vilões e sem mocinhos, apenas humanos, de erros, vontades, temores, desejos, silêncios... Como gritam esses silêncios... De olhares... Como falam esses olhares, sem emitir som algum. Só a mirada, o pulsar cardíaco, a tensão que suspende e chacoalha o momento.
A história de Chiron é a história comum de tantos meninos, de tantos de nós. Mas qualquer comparação, equiparação, assemelhamento, soaria intransigente... De uma pretensão vã, que não encontra em mim sustentação, pelo menos agora.
Little - Chiron - Black... Três capítulos, três nomes, três corpos para viverem três fases de uma vida.
A escola, que poderia ser um espaço alternativo ao lar, à sociedade e às truculências culturais, mostra-se um inferno onde impera a violência, o bullying, a humilhação, a injustiça, o medo, a masculinização forçada. O único momento em que o pequeno Chiron aparece feliz na escola é na aula de dança. Esse é o único momento em que se move com liberdade e com alguma alegria, sem medo. É cercado pelos colegas que com ele se divertem, improvisam movimentos, trocam passos, sorriem. A professora os observa e acompanha com amor.
Nos demais momentos em que é cercado ou (per)seguido pelos colegas, é espancado, humilhado, desrespeitado, desencorajado. A rudeza da violência - homofobia - bullying, a desumanidade disseminada no tempo-espaço de ensinar-aprender... Desumanizando a potência da sociabilidade e do bem comum que ali poderia florescer.
Se existem anjos, não tenho conceitos para conjecturar sobre, agora. Mas um tal Juan, mercador de drogas, que para alguns olhares "moral, politica e pedagogicamente corretos" poderia ser visto como o vilão, aconchega, aquece, ampara, acolhe com asas (pa)ternas.
É Juan quem ensina Chiron a nadar... As belíssimas tomadas em close-up fazem o azul do mar encher a tela... Como a vida de Chiron, inundada. Urgia que aprendesse a nadar para não sucumbir, morrer afogado. Após ampara-lo nessa lição de nado, Juan conta-lhe uma pequena história de sua infância rebelde em Cuba:
Numa certa noite de luar, corria descalço pelo rua, atrás de outro menino que o havia incomodado. De repente, foi interceptado por uma velhinha que lhe disse: "Você anda correndo por aí, apanhando toda a luz. Sob a luz do luar os meninos negros parecem azuis. Você é azul? Pois é assim que vou te chamar: Azul!". Chiron, que ouviu atento como quem ouve a um pai amoroso, pergunta: "Então o seu nome é Azul?". "Não", responde Juan, e segue: "Há um momento na vida em que você precisa decidir por si mesmo quem você é. Não pode deixar que ninguém decida isso por você".
Passa o tempo... Passa o vento... As ondas vem e vão... Nós corpos somos passageiros, somos feitos de carne, osso e horas... E de tudo o que disso deriva.
Tempos depois, um reencontro capaz de recobrar uma chama de vida. Um telefonema, uma canção, uma refeição... O olhar que suspende o momento fazendo milhares de anos luz passarem em fração de milésimos de segundos. O silêncio de afetos latentes... A brisa do mar, a luz do luar, as ondas a soar... O punhado de areia que a mão um dia apertou... O recostar da cabeça no ombro... Colo... Toque... Ventre... Amor...
Cessam as palavras.
Moonlight: sob a luz do luar (USA, 2017)
Direção de Barry Jenkins
Elenco: Mahershala Ali, Trevante Rhodes, Ashton Sanders, Shariff Earp, Alex R. Hibbert, Naomie Harris, Janelle Monáe, André Holland, Jahrrel Jerome.