22 de março de 2010

E o nosso lado cego?

"Um sonho possível", filme dirigido por John Lee Hancock (EUA, 2009), pode ser visto com um conto de fadas (baseado em fatos reais), de enredo, até certo ponto, previsível, que faz refletir acerca de questões como educação, solidariedade e alteridade.

Michael, vivido por Quinton Aaron, é um rapaz negro e obeso da periferia, tirado, com sete anos, da vida de riscos que vivia com a sua mãe. As várias instituições educacionais por onde passou atestaram-no como incapaz e deficiente no aprendizado. Em sua mais nova escola, ele que nada escrevia em sala de aula, certo dia escreve um pequeno texto intitulado "Paredes brancas", onde declara sentir-se impedido de aprender pois para onde quer que olhe, vê paredes brancas, professores brancos, lições brancas, normas disciplinares brancas...

Tal texto fora jogado no lixo pelo autor e encontrado por uma de suas professoras que, a partir disso, percebe que ele não é incapaz, que sua forma de aprender não era via escrita, mas via oral. Tal fato desafia os educadores a rever sua metodologia de ensino para levar em conta esse outro jeito de aprender.

Por meio dessa nova escola, Michael conhece, ou, é conhecido por, uma família branca de classe alta centrada na figura matriarcal interpretada por Sandra Bullock que, aliás, mostra porque não merece continuar apenas com a faixa de Miss Simpatia e sim ser a melhor atriz do Oscar 2010. Ela é a super mãe, a madame que desce do salto, sem perder o glamour, atravessa a cidade, entra na periferia e traz para dentro de sua casa um rapaz negro tido como inferior, suspeito e problemático. Suas dúvidas e medos foram menores que sua solidariedade. Michael deixa a vida de "gato borralheiro" maltratado pela "madrasta" sociedade e realiza todos os seus sonhos vivendo no castelo classe A da afortunada família que o adota.

Tanto o grupo de professores, que revê seus métodos para que a educação aconteça a partir da realidade do rapaz, como a família rica, que abre espaço em seus privilégios para compartilhar com o outro, instauram atitudes, que podem parecer utópicas atualmente, mas que suscitam perguntas acerca de como entendemos, ou, de quanto estamos abertos para a alteridade. Que espaço abrimos para o outro em nossa vida? Não só o outro agradável, mas aquele outro que exige meu esforço moral, afetivo e econômico. Deixando de lado as afetações religiosas de caridade, ainda vale a pena ser bom?

Apesar de que, ser solidário, hoje, pode ser perigoso, esse nosso lado cego, está um tanto afetado pela catarata do preconceito e da indiferença. E merece, não mais óculos escuros, mas um bom colírio, ou, um oculista especializado. Confiar nas pessoas ainda é viável? Ainda é possível reconher o outro?

Imagens capturadas no site Cinema em Cena:

Um comentário:

  1. Nosso lado cego é mais cego do que a gente acredita, pois pelo abismo da cegueira, os outros sentidos também parecem sucumbir! E a gente se afasta para não tocar e nem ser tocado, não sente mais os perfumes da realidade que vai ficando mais e mais difusa.
    Tuas palavras parecem pontes que atravessam da ficção para a realidade. Todas elas floridas com esse jeito peculiar de enxergar o mundo que eu gosto tanto.

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