2 de setembro de 2012
"Cozumel? Acho que não vai ter mel..."
A cada bala de mel que saboreio, ferrões e doçuras se cruzam no paladar a lubrificar uma garganta doída, meio seca. "Cozumel? Acho que não vai ter mel...", lastimou duvidoso o novato garçom. Entalados, desejos mudos arranham conversas engolidas num "cala a boca" decidido. "CON...ZU... MEL...". Não, querido, C, O, Z, U, M, E, L, sem "n", como meu nome.
"N" alternativas seriam possíveis, mas a que restou é dormir com o cachecol vermelho xadrez, aquecendo-me a garganta. Fazendo-me companhia entre os travesseiros a escrever histórias de cama.
Apesar das dúvidas que semearam em mim, e que as vezes um e outro personagem dissipa ou confirma, o risco de manha que a garganta arranha, em mim assanha essa rima previsível me exigindo barganha. Mesmo que o garçom erre o nome do drink e desconheça o cardápio, o bar ganha.
Gostaria de escrever sobre a viagem que não almejo fazer, sobre a novela que acabei de ver, sobre o texto que preciso ler, mas aquele cachecol não pára de tremular na beira da cama.
Não é ritual de espera, não é prece ou simpatia. É só um restinho tolo de vontade que se apoia num pedaço de pano vermelho xadrez. Artefato pequeno que deixa grande o descuido. Além de aquecer a garganta que mais nada pede, ele recorda um outro 'não' da série que tenho colecionado.
Seu 'não' se mistura ao mel do sol que escorre cerrado afora, meio dia em brasa; se junta ao nada que me prende aqui; pigmenta em vermelho lençóis e travesseiros; joga no xadrez o raquítico desejo que se fez nó na garganta.
O garçom há de entender, um dia, que Cozumel só parece doce no nome. Já eu, erotizo o castigo de Judas tecendo ternuras na nuca sem sal e limão. Nesses avessos, o charme de um cachecol em pleno verão me diz que ainda faz calor aqui dentro, mas só estou aqui passando uma chuva.
Foto de Odailso Berté.
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