15 de dezembro de 2012

Madonna, o corpo metáfora (MDNA Tour 2012)

Tanta ou maior que a de 2008, quando a Sticky & Sweet Tour veio ao Brasil, foi minha atual expectativa para (re)ver Madonna em sua MDNA Tour (2012). Hoje ela também faz parte dos afetos – cheios de razões – que movem meus interesses de estudo e pesquisa. Fã e pesquisador se misturam e, por mais que Adorno e Horkheimer pensassem o contrário, o ato eufórico e encantado de experienciar/cantar/dançar/chorar com o show de Madonna não está separado do ato de pensamento e construção de significados. Esse é um momento que elucida o fato de que, no corpo, razão e emoção nunca estão separadas.


O nono dia de dezembro de 2012 foi marcado pelo meu reencontro com a Rainha da música pop, a ‘girl gone wild’ que faz jus em ter o nome de “nossa senhora – Madonna”. Afinal, há que ser muito poderosa para orquestrar um espetáculo de tamanha magnitude, além de cantar (ao vivo) e dançar (eu falei dançar, não passinhos pra lá e pra cá). Bem antes do espetáculo iniciar, um ensaio trouxe Madonna e seus dançarinos ao palco. As imagens artefatos, antes vistas, tornam-se imagens ações que se movem diante dos olhos, criando refrações no corpo todo. Um pensamento/sentimento ingênuo emerge: “Madonna é de verdade”! Tão real e próxima que, como qualquer mortal, precisou se proteger do sol.


O show inicia como um missa. O cenário, uma imponente catedral com direito a monges, gárgulas, sino, turíbulo e ladainha com o nome Madonna. Ao soar uma penitente e sensual voz feminina, dizendo “Oh my God”, a catedral se abre para a entrada de um oratório suspenso que mostra a silhueta de uma mulher ajoelhada, de mãos postas, rezando a oração do ato contrição. Ela levanta, empunha um rifle a quebra os vidros do oratório para cantar “Girl Gone Wild”. Sim, é a própria Madonna, a santa que empunha um rifle, ao passo que os monges se despem e dançam sobre sapatos de salto alto. Inversões, provocações, subversões... Dicas e picardias para os conservadores religiosos (católicos, evangélicos e do diabo a quatro) e demais simpatizantes que abominam a homoafetividade. São sinais de nossa senhora – Madonna... Interpreto e obedeço, piedosamente. Amém!


Já no terceiro bloco do show, Madonna interpela o olhar do espectador perguntando: “What are you looking at?” Sugerindo questões referentes a corpo, gesto, imagem, pose, comportamento, a performance do sucesso “Vogue” é genialmente articulada e desfilada por modelos/looks que remetem a diferentes gêneros, épocas, personagens, cenários. A sequência se dá com o mashup, pra lá de sensacional, de “Candy Shop” com “Erótica” que ambienta um ousado e polido cabaré onde corpos trocam gracejos, prazeres, toques e afetos. Com “Human Nature”, Madonna se relaciona consigo mesma diante de espelhos e com mãos que buscam tocá-la, aludindo a temas como identidade, desejo, fetiche, objetificação, sexualidade. Ela encerra este momento se despindo e proferindo um caloroso e emocionado discurso em prol das mulheres de todo o mundo.


Outro destaque especial merece a dança no show de Madonna. Dançarina profissional, quase graduada em dança pela University of Michigan, ela também vivenciou a técnica de dança moderna de Martha Graham, uma das fundadoras dessa modalidade a nível mundial. Com toda essa bagagem, é de se esperar e comprovar que em seu show, Madonna e seus dançarinos não fazem da dança uma mera ilustração para a letra das músicas. Trata-se sim, de configurações coreográficas que ora convergem ora divergem com a música. São estruturas de movimento que adensam as propostas estéticas do show e propõem diferentes formas de ver, analisar, sentir, perceber o espetáculo. O corpo não é apenas um objeto virtuoso da arte, mas um corpomídia que constrói informações, imagens e metáforas para se comunicar com os demais corpos. É impressionante os modos como Madonna não simula o ato de dançar em função do ato de cantar. Pude vê-la, a menos de três metros de distância, no auge dos seus 54 anos, dando saltos, fazendo rolamentos, giros e sequências efusivas de movimento. É simplesmente... Uau! Ela acompanha, equiparadamente, os dançarinos mais jovens e ainda canta e toca. Que estrela!


Entre canções, imagens e coreografias, a ópera pop de Madonna desliza e adentra por catedral, quarto de hotel, combate, lutas, banda marcial, balizas e líderes de torcida, luau basco, cabaré, celebração mística e festiva, críticas sociais, políticas e religiosas. Uma cadência impressionante, uma tecnologia espetacular, performances arrebatadoras, um produto muito bem amarrado estética, imagética e conceitualmente que confirma a arte de Madonna como uma potência cultural e econômica consolidada e abrangente.


Mística e erótica, razão e emoção não encontram barreiras entre si quando o corpo se relaciona com algo assim. Vida longa à Rainha do pop. Que no alto dos seus sessenta anos possamos ainda ver Madonna interpelando o mundo com suas criações e, como ela mesma diz, fazendo de seu corpo uma metáfora para provocar.

Odailso Berté
Coreógrafo e dançarino
Doutorando em Arte e Cultura Visual
Mestre em Dança
Licenciado em Filosofia

Fotos de Odailso Berté 

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