9 de setembro de 2010

Re (vi) vendo um sorriso

Todos os dias ao entardecer, o velhinho passeava em torno do lago do parque. Uma volta apenas, descia as escadas com dificuldade e se sentava no mesmo banco em frente aos bambus. Tomava um livro branco que trazia embaixo do braço e, lentamente, ia passando página por página, lendo cada detalhe com seus tristes olhos.

Parava de quando em quando, suspirava. Lágrimas desenhavam caminhos pelo seu rosto. Ao fechar os olhos, era como se um sorriso se desenhasse a sua frente. Naquele momento, pensar era ver. Uma espécie de empirismo romântico, de quem experimenta, pensa e sente ao mesmo tempo, tomava conta de seu semblante. Imagens pareciam fulgurar em seu corpo moldado pelo tempo.

Ele não tinha mais a agilidade do dançarino que fora um dia. Só o vigor de uma filosofia em forma de dança permeava seu jeito de ser. E ele seguia lendo seu livro infantil, “As Rosas Inglesas”, escrito por uma antiga e polêmica cantora batizada com o nome de Nossa Senhora.

Todas as tardes o mesmo livro, o mesmo banco, as mesmas lágrimas, como se por meio disso ele pudesse replicar uma inesquecível vivência. Tantas imagens num mesmo olhar, um beijo em sua mente, amor de tanto tempo, um sorriso a contemplar.

Sorriso de um homem que um dia o amou. E que junto dele se sentara nesse mesmo banco para ler e sorrir diante da mesma historinha. Jovens sonhando um mundo brincante. Todavia o tempo passou, a distância fez esvair uma parte no amor.

E o velhinho seguiu revivendo a cada dia sua história infante. Quando seus olhos cor de tamarindo já não mais podiam ler, só olhava, deixando as lágrimas desenharem caminhos em seu rosto e as imagens desenharem em seu corpo uma saudade risonha. E só, assim, quis ele envelhecer, deixando o tempo perpetuar-lhe em imagens aquele sorriso tímido tão bem desenhado em sua lembrança.


Escrito a partir da música "I see your smile" - Gloria Estefan
Imagem do Bosque dos Buritis, Goiânia/GO, capturada em:
http://www.panoramio.com/photo/30136823

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