5 de maio de 2012

Piñero, em tua sombra, um deleite


"Eu nunca quis ser ninguém. Uma vez um cara me disse que eu escrevia bem, que escrever me tiraria da prisão. Tirou e não, porque tive que voltar para poder escrever bem."

Um poeta, um escritor, um ator, um bêbado... Um Cristo drogado. Um satã do céu. Um arcanjo, Miguel Piñero. Um nova-riquenho, Mikey Piñero. O criador da famosa peça "Short Eyes" (1974), apresentada na Broadway e adaptada para o cinema em 1977.

No filme "Piñero" (2001), dirigido por Leon Ichaso, Benjamin Bratt assume em sua interpretação o homem que seguiu à risca o conselho de sua mãe: "fale com os olhos e olhe com a boca". Um corpo cambaleante, tenaz e sedutor, que proclama poesia com seus olhos gritantes e desfere desejos com sua boca observadora.

Bratt, ao (prot)agonizar os prazeres e agonias de Miguel Piñero, se faz inventor e vendedor de esponjas, peixes e pérolas. Sua poesia absorve os líquidos e as poeiras da vida, exala os perfumes e os maus odores do cotidiano e apresenta os tesouros e as misérias que cada humano constrói. Um poeta submerso, underground por opção, que ao invés do dinheiro e da fama dos artistas consagrados, só cobiçava chamar sua atenção.

Numa sequência de imagens em nada lineares, que alternam-se entre o colorido e o preto e branco, a história se faz de pedaços, pedaços de uma vida vivida aos pedaços... Vida despedaçada. Entre encenação e realidade o filme vai se montando como um quebra-cabeça, como um teatro feito de atos desolados.

E o que perdura é a trajetória infame de um Piñero que floresce na aridez da prisão. Desordeiro, errante e comovente. Artista e bandido que, como ninguém, fazia de um cinzeiro seu cemitério de lembranças. Um homem que enquanto vivo e mesmo depois de morto, em forma de cinzas, foi absorvido pelas ruas.


Imagem capturada aqui.

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