"Eu nunca quis ser ninguém. Uma vez um cara me disse que eu escrevia bem, que escrever me tiraria da prisão. Tirou e não, porque tive que voltar para poder escrever bem."
Um poeta, um escritor, um ator, um bêbado... Um Cristo drogado. Um satã do céu. Um arcanjo, Miguel Piñero. Um nova-riquenho, Mikey Piñero. O criador da famosa peça "Short Eyes" (1974), apresentada na Broadway e adaptada para o cinema em 1977.
No filme "Piñero" (2001), dirigido por Leon Ichaso, Benjamin Bratt assume em sua interpretação o homem que seguiu à risca o conselho de sua mãe: "fale com os olhos e olhe com a boca". Um corpo cambaleante, tenaz e sedutor, que proclama poesia com seus olhos gritantes e desfere desejos com sua boca observadora.
Bratt, ao (prot)agonizar os prazeres e agonias de Miguel Piñero, se faz inventor e vendedor de esponjas, peixes e pérolas. Sua poesia absorve os líquidos e as poeiras da vida, exala os perfumes e os maus odores do cotidiano e apresenta os tesouros e as misérias que cada humano constrói. Um poeta submerso, underground por opção, que ao invés do dinheiro e da fama dos artistas consagrados, só cobiçava chamar sua atenção.
Numa sequência de imagens em nada lineares, que alternam-se entre o colorido e o preto e branco, a história se faz de pedaços, pedaços de uma vida vivida aos pedaços... Vida despedaçada. Entre encenação e realidade o filme vai se montando como um quebra-cabeça, como um teatro feito de atos desolados.
E o que perdura é a trajetória infame de um Piñero que floresce na aridez da prisão. Desordeiro, errante e comovente. Artista e bandido que, como ninguém, fazia de um cinzeiro seu cemitério de lembranças. Um homem que enquanto vivo e mesmo depois de morto, em forma de cinzas, foi absorvido pelas ruas.
Imagem capturada aqui.
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