27 de julho de 2012
Pelos prados de Adélia, danço tempos a fios
Quando converso com Adélia, não há como não lembrar de Madonna, Frida e Pina. A mulherada toma conta da imaginação e vai desatando fofocas, filosofias, receitas, elucubrações, provérbios, infortúnios, gesticulações e palavrões deliciosos.
Choramingo para Adélia, digo-lhe da vontade que sinto de voltar pela rua para tentar apalpar aquele perfume de corpo ido. Ela ri. Na gargalhada trincada de ternura, me oferece seu colo materno, e pede calma a esse (m)eu corpo inóspito que sussurra pela abertura da porta.
Então procuro falar dos meus escritos, do sonho de ser poeta como ela. Ela me fuzila com olhar doloroso, sem espanto ou hesitação. Olha para a janela aberta e acariciando meus cabelos diz: "Detesto escrita elegante, as tragédias são doces"*.
Mesmo gostando do carinho coçadinho na cabeça, levanto e suplico pela sua sabedoria de idade e poesia: Me aponte caminhos, a senhora que vive a mais tempo que eu. Questione esses maus modos de me apaixonar e diga para ocupar meu tempo com trabalho e estudo, afinal, dizem que é isso que dignifica o homem.
Ela só suspira. Pensei até que fosse me xingar e dizer para respeitá-la por ser mais velha. Toma um pano de prato e, pela ponta solta, desfia todo o crochê já desgastado de enxugar tanta louça. Me olha e pegunta se "ficou melhor assim". Meio desconcertado e obediente ao seu tom paciente, desfaço a cara de preocupação existencial.
Me chama para que eu sente de novo ao seu lado e prossegue. Me disse que um dia, quando tinha mais ou menos a minha idade, e pensando em coisas parecidas, sentou no sofá para assistir "Fashdance" na sessão da tarde e pensou: "Quero dançar e ver um filme eslavo, sem legenda, adivinhando a hora em que o som estrangeiro está dizendo eu te amo"*.
Me olhou, secou as lágrimas em meu rosto e suspirou conclamando minha atenção:
"[...] e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito para escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba."*
Pegou no meu queixo e sentenciou em interrogativa: "Filho, isso eu disse para o meu Zé, há um tempo atrás. E você, vai esperar quanto tempo para dizê-lo a alguém?"
Mas Adélia, eu... Não houve tempo, ela só me abraçou e, bocejando, ainda disse: "Vou tirar uma soneca agora porque depois vai passar "Dirty Dancing" na sessão da tarde." E saiu cantarolando... "I've had the time of my life..."
Foto de Odailso Berté.
*Fragmentos de poesias de Adélia Prado - Poesia Reunida.
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