18 de julho de 2012

Profecias de quem apenas era...


Mirando o horizonte de nuvens rosadas, tingidas pelo foco/astro alaranjado - enfraquecendo lentamente em mais um crepúsculo - , ele suspirou em tons quase proféticos. Como um velho entretido em branquear os cabelos entre livros e imagens por tardes a fio, pensou outra vez em seus afetos contidos. A auto-reprovação apontou-lhe o dedo, todavia, estava claro que pensar sobre era só o que lhe convinha.

Da janela lateral ele cheirou telhados, acariciou o frio e beijou o entardecer como se fossem os membros do corpo querido. E nessa cena romântica, fugaz e solitária, ele admitiu em seu íntimo que o admitir era melhor que o negar. E que assim, permitindo-se sentir sem ter, fazia-se forte para aceitar as impossibilidades de toda ordem.

Com canções antigas, tão fora de moda, e uma taça com vinho, ele conclamou papel e caneta a tomarem nota de todo seu pesar, sentir, pensar, querer... Firmou em maiúsculas e minúsculas a assinatura de sua vivência passional, pois sabia que só o deus Cronos o salvaria da dita situação, depois de muitos ontens, hojes e amanhãs.

Como soprava a fêmea canção em seu ouvido, embora difícil de outrem acreditar, isso era tão normal. Entre cores vivas que se tornaram mórbidas e amores verdadeiros que se fizeram sórdidos, seu coração conhecia torres e cemitérios, o homem e seus velórios. Lembrança fatigante era um amor perverso. Mas agora ele apenas era... Mesmo que outrem não quisesse acreditar.

Novo mensageiro natural de coisas naturais brotava em seu palpitar cotidiano, insistia a limpidez da canção. Talvez cavaleiro de mistérios, casa e árvores, sem descanso nem dominical já cantarolava ele dançando abraçado à canção. Marginal e banhado em ribeirão, crescido sem termos de televisão, era como via o semblante desejado. Imagem folclórica que apaziguava seu imaginar.

De canção, escrita e janela, deixou-se embalar pelo odor colonial do vinho e agasalhou-se do frio nas lãs desse afeto só e tão seu. Admitiu outra vez calado e num último suspiro desenhou para suas frases a ternura do ponto final.

Paráfrases da música "Paisagem da Janela", interpretação de Elba Ramalho.
Foto de Odailso Berté.

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