17 de agosto de 2012
Não cabendo no peito, transborda pelos olhos
Eu queria vir a pé, mas uma solidária carona não deixou que gastasse o solado do tênis adentrando a brisa pelas ruas da noite, claro, lembrando você... Quando o ego dá esse rumo para o pensamento, o id pronuncia seu olhar de reprovação e veta toda e qualquer verba de consolo. Nesse tema eles não concordam, daí me percebo falando sozinho, sendo meio dualista, daquele jeito que não gosto e tanto critico.
No cinema, "À beira do caminho" (2012) conseguiu (co)mover lágrimas, saudades, lembranças e perdas através da simplicidade de frases de parachoque e canções de Roberto Carlos. Eu que nunca pensei chorar ao som do Rei, vi meu orgulho derrotado e o id - isibido - se desmanchando numa larga escala de risadas de pura satisfação.
João, Duda e Rosa saltam da tela e fazem da sala escura um pedaço do cenário de minha vida: das vezes não feitas de um pai, de um filho carente e sonhador, dos amantes que tremem ao mínimo toque e sofrem pela distância, por perdões e voltas. Poeirentas estradas, boléia de caminhão, fotos, um único cd, um endereço não mais habitado, afago materno, elementos que enredam histórias para dizer que viver é como desenhar tendo apenas lápis, sem nenhuma borracha para apagar. E que quando a saudade não cabe mais no peito, é pelos olhos que ela transborda.
Não bastasse as delicadezas do filme que perfuraram as membranas e autodefesas do ego, o debochado id, sem dó nem piedade, ainda destaca uma das canções do enredo e canta que canta, dança que dança... Sambando na cara do indefeso ego. Insisto em não ouvir, mas quem disse que o ingrato se cala?
Como Petrolina (um dos cenários do filme) faz divisa com Juazeiro, a noite me trouxe o perfume do agreste de Tieta, do Mangue Seco baiano. Entre o sabor de pamonhas e tantas possibilidades de navegação, Tonha, Perpétua, Amorzinho, Carmosina e a Cabrita Master inflaram saudades do tempo em que meus olhos infantes não bebiam a ousadia das insinuações vividas pelas personagens inspiradas na obra do amado Jorge. Hoje sim entendo que os berros de Tieta, se fazendo de cabrita, eram a mais pura intensão de uma lua cheia de tesão.
Despedi a carona, tomei o rumo da cama e tentei deixar as memóras do dia à beira do caminho. No entando, o chato do id, possuído por uma entidade cabrito, segue seu cantarolar agora quase em ladainha. Insatisfeito por não encontrar a versão do filme, de Nina Becker, ele tasca em meus ouvidos a canção na voz de Marjorie Estiano, e assim me embala para dormir:
... Esqueça, se ele não te ama, esqueça, se ele não te quer
Não chore mais, não sofra assim
Porque posso te dar amor sem fim
Ele não pensa em querer-te, te faz sofrer e até chorar
Não chore mais, vem pra mim, vem
Não sofra, não pense, não chore mais, meu bem ...
E assim dorme o ego, tendo o id ninando seus sonhos que vão lentamente se desvanecendo num percurso que mistura fatos, filmes, fotos e fins... Fazendo da cama a continuidade de um caminho cheio de eiras e beiras.
Imagem editada da original capturada aqui.
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