22 de outubro de 2012

Sobre filosofia e dança contemPOPrâneas

Por volta de 1997/98, quando as Spice Girls se tornavam conhecidas no mundo, Madonna lançava o disco “Ray of Ligth” e o impactante videoclipe de “Frozen” (entre vários outros fatos também relevantes), eu iniciava a faculdade de filosofia. Entre os comentários que se pretendiam revolucionários no intuito de “derrubar cercas” e combater a ideologia dominante, diziam que a música pop era uma das armas dos poderosos capitalistas sempre prontos a nos dominar.

Madonna no music video "Frozen" (1998)

Isso hoje me soa tão épico e mexicano, do tipo: “Own, e agora quem poderá nos defender?” Como se uma entidade vermelha – tão ideológica quanto a combatida – fosse baixar, instaurar um novo mundo e derrotar o inimigo dominador. So sweet... Como num filme onde a bonanza paira após a dura tempestade. As Spice Girls se foram, vieram os Backstreet Boys e seus derivados (que também já se foram), Madonna - apesar do marxismo - está aí firme e forte (talentosa e ousada) há 30 anos, Michael Jackson já partiu... E há quantos a “arma pop” matou? Até onde sei, ninguém morreu alienado por ouvir/dançar “Wannabe”, “Thriller” e mais recentemente “Girl Gone Wild” .

Entendo a crítica do marxismo num tempo onde ditadores como Hitler criavam signos, gestos, símbolos, imagens, com os quais as massas poderiam se identificar no sentido de aderir e seguir cegamente a um líder no qual se sentissem amparadas e representadas. Nesse sentido a cultura de massa também poderia ser (e por vezes o é) uma estratégia de manipulação a serviço de articulações capitalistas de mercado/consumo.

Seria instigante pensar (para além das estatísticas e ibopes do quê e quanto é vendido) acerca dos modos como são usados tais produtos, as reinvenções, as distorções, as histórias que são inventadas a partir deles nos mais diferentes cotidianos. Mesmo as danças de videoclipes, da TV, das massas (que muitos alunos/crianças/jovens adoram aprender e repetir), tão combatidas por certos educadores e profissionais da dança... Como elas podem envolver o afeto, o prazer, o desejo dos alunos? Como, ao invés de demonizá-las, ver nelas possibilidades de aproximação, identificação, crítica e criação?

Penso que se, por vezes, a dança contemporânea fosse menos ‘cabeção’ e mais contemPOPrânea, mais fecunda poderia ser. Para os guardiões da dança que acham que a sagrada arte e os profanos produtos da indústria cultural não se misturam, vale lembrar, por exemplo, que  Madonna foi aluna de Martha Graham – uma das renomadas coreógrafas que apontou novos rumos para a dança no mundo, justamente por pensar-fazer dança a partir de sentimentos, emoções e elementos da realidade vivida. Isso não significa que estou receitando repetir os passos/coreografias de Madonna, Martha e outros. Mas sim, entender como esses e tantos outros passos já estão misturados com os nossos, envolvendo nossos desejos, afetos e experiências, e, portanto, que histórias/movimentos podemos criar com e a partir deles.

Madonna em homenagem a Martha Graham
(Harper's Bazaar - EUA, 1994)

Penso que, mesmo diante da hostilidade marxista, eu poderia ter expressado sem receios minha preferência pelas Spice Girls e por Madonna. Tanto no sentido de que faziam e fazem parte de minha identidade/identificação quanto nos modos como tais artefatos/imagens/produtos/artistas podem interpelar o ser livresco, elucubrativo, abstrato e antiafeto/corpo de algumas formas de se fazer filosofia e dança. Penso sim, sem nenhum receio, que se a dança e a filosofia (a primeira enquanto arte e ambas enquanto áreas de produção de conhecimento) fossem mais POP (popularizadas), poderiam contribuir de forma mais e(a)fetiva para os corpos se (mo)verem de modos mais emancipatórios.

Isso, no sentido de que, reconhecendo as experiências vividas, dança e filosofia poderiam instigar possibilidades para os corpos perceberem o como investem seus afetos e razões nos usos que fazem de textos, músicas, roupas, danças, imagens... Sejam eruditos, populares, de massa... Pouco importa a classificação, pois todos são formas/produtos culturais com os quais nos misturamos cotidianamente, queiramos ou não.

Talvez assim o “conhece-te a ti mesmo”, de Sócrates, e tantas outras máximas filosóficas, fizessem mais sentido. Talvez assim, o materialismo histórico-dialético, mais próximo das contradições, paixões e lutas 'históricotidianas' que movem e são movidas pelos corpos, nos possibilitaria criar tantos e outros sentidos/razões.

Odailso Berté
Coreógrafo e pesquisador em dança contemporânea
Doutorando em Arte e Cultura Visual - UFG
Mestre em Dança - UFBA
Especialista em Dança - FAP
Licenciado em Filosofia - UPF

Imagens capturadas aqui e aqui. 

Um comentário:

  1. Berté, você é fantástico! Seus textos são muuuito bom, pretendo aprender muito com você, digamos que além de ser fã da RAINHA Madonna, virei sua fã também! Haha

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