29 de junho de 2010

Em primeira pessoa


Nasci num lugarejo que, de tão pequeno, se chama Jaboticaba. Além dos bailes, onde os adultos dançavam e encontravam seus pares, pouco se falava de dança por lá. Ainda criança, sabia que não encontraria meu par e nem uma dança legal naquelas festas. A dança eu comecei a inventar nos campos de aveia, onde corria atrás das garças brancas. Em meio à aveia verde e o sol das frias manhãs do inverno lá do sul, no auge dos meus oito anos, eu coreografava a mim e às garças. O par, veio bem depois, quando já havia conhecido outras cidades, bem maiores que uma jaboticaba.

Levei tempo para começar o auto(re)conhecimento. O menino meio desajustado cresceu entre ser a estrela e o saco de pancadas da escola. Passou pelas malhas da Santa Madre Igreja, aprendeu a ser ajustado e pontual, incorporou filosofias, (des)mistificou teologias, inventou modos tantos de configurar sua vida em forma de coreografias.

Hoje, em terceira e primeira pessoa ele se pergunta aquela pergunta chavão: quem sou eu? Aquele que vê através das pessoas? Aquele que sempre tem correções a fazer? Aquele que filosofa e sempre tem uma palavra clara a ser dita? Ele dança ou filosofa? Ele ficou em décimo ou em primeiro lugar? Por que ele se sente perseguido pela síndrome da traição? Ele se acha importante ou insignificante?

É ele que se emociona ao ouvir "Empire State of Mind", não pela apologia a NY, mas pela voz rasgada de Alícia Keys que de uma forma melancólica e melodiosa o faz acariciar seus sonhos, saudades e sofrimentos mais escondidos. Chorar ouvindo música parece cafona, mas deixa a dor das perdas com ritmo de trilha sonora. Faz a dor atravessar pelo corpo sem tirar sangue.

Me pergunto pelo homem que venho me (trans - de - re)formando. Me questiono pelo amor feito existência no cotidiano (m)eu... Pela dor que melhor me atravessaria ao soar a trilha... A do rompimento ou aquela que vai provocando rupturas ao longo dos dias? Em que paragens foi se assentar aquele amor de escritos, desenhos e canções? Amor, ainda jás me esperando num lugar especial? O cenário dos teus mistérios são escuros e doces como as pequenas jaboticabas, ou profundos e esverdeados como rios que abraçam cidadelas em meio aos cerrados? Só anseio por uma volta ou uma espera.

Dessas palavras adocicadas, paleativas a arrastadas vou extraindo novos gostos de vida. Atento para aquilo que ainda quero, sedento para o que ainda não gozei, medroso por aquilo que ainda queima no peito, lateja na cabeça e assovia no sexo. Dou-me inteiro... Amo aceso... Espero contente... Choro sozinho... Danço longe... Sigo assim... Sou isso.

Um comentário:

  1. Talvez por não ter asas, o desejo de dançar una teu corpo e tua alma naquela comunhão indizível que dissolve qualquer dicotomia possível entre um e outro.

    Talvez por vontade de voar, perceba a cada dia, mais e mais, a fragilidade que nos invade quando estamos diante do mundo.

    Talvez por ter sido ferido, vez-em-quando, medos povoem sua cabeça fazendo nublar pensamentos e vontades.

    Talvez por ser tão transparente, limites de um continente inteiro reflitam na retina dos olhos capazes de transformar corpos em simbólicas aquarelas.

    Talvez por ter você bem próximo, eu acredite em anjos - daqueles que dançam e deixam a doçura das jaboticabas.

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