21 de maio de 2012

A Sete Palmos adentrando em mim


A ternura incondicional da mãe (Ruth), restringida de seus sonhos e de suas mais íntimas realizações pessoais para a plena dedicação aos seus filhos.

Os encontros e desencontros da filha mais nova (Claire), no intuito de se construir uma artista.

Os dramas do filho do meio (David), para alicerçar sua identidade homoafetiva, superar traumas e lutar pela sua união com Keith.

A trajetória do filho primogênito (Nate), nas idas e voltas com Brenda, para realizar-se enquanto homem, profissional, marido, pai... Antes que o cronômetro da corrida da vida marque o fim do percurso.

Uma família mórbida, trágica e cômica que se constitui numa casa funerária, transitando cotidianamente por entre os labirintos onde se cruzam vida e morte. Uma "Família Adams" sem artifícios, truques ou maquiagem. Um retrato das nossas dores, medos, anseios e mistérios subjetivos.

A cada episódio, um nascimento às avessas - uma morte - que desencadeia muitas relações de vida. No confronto com a perda, a dor e os pêsames, nas flores que adornam túmulos e caixões, o perfume e o pólen que germinam tantas possibilidades de nos relacionarmos com o fim e articularmos outros começos.

Não receio dizer que comecei a repensar meu medo da morte adentrando Sete Palmos de mim. As imagens, textos, relações, atitudes de cada personagem, vão como que abrindo covas, erguendo sulcos, inscrevendo lápides no corpo (m)eu... Insinuando que o fim e o começo são possibilidades que pulsam tanto quanto o coração. E notificando que, entre parar e continuar, o relógio da existência obedece ao mestre tempo que só aponta para frente, sem chances de retorno.

A série A Sete Palmos (2001-2005), criada por Alan Ball, faz transparecer a óbvia e pungente constatação de que somos finitos, passamos, envelhecemos e deixamos de existir. Enrugamos, murchamos e despedaçamos tal e qual a mais bela flor reluzindo em cores num jardim. E mais do que isso ser uma pesarosa constatação, embora nos entristeça, possamos ver como a noção que nos move a viver intensamente, buscar ser/fazer/ter o que mais desejamos, realizar os sonhos-projetos para os quais nos sentimos aptos e impelidos... Porque a vida é só uma, e ela passa. E o luto pode mover lutas em favor dessa vida passageira.


Imagem capturada aqui.

19 de maio de 2012

a loser like me


É preciso, mas extremamente duro saber perder, assumir-se perdedor. Custa muito, pois ninguém chega a conhecer o empenho investido, a profundidade do desejo, as dores do cansaço e das tensões, a intensa paixão que nos move a lutar por um sonho, juntar tantos pedaços para construir um projeto. Isso o fazemos sozinhos, em relação com muitos, é verdade, mas solitários na árdua organização dessa construção.

É impossível não lembrar da banca de jurados que julga os festivais de coros do seriado Glee. Autoridades no ramo, celebridades das artes, pessoas renomadas. Publicamente, figuras esplêndidas, que escorrem simpatia pelos cantos do sorriso, uma diplomacia teatral. Todavia, as cenas de suas reuniões secretas, os modos e termos com que se referem aos sujeitos aos quais estão julgando - avaliando - comparando, são patéticos, grosseiros, abusivos e desprezíveis. Assim, histórias de vida, capacidades, talentos, potenciais, se tornam apenas números. Uma cifra reguladora, uma medida cartesiana, esvaziada e niilista.

As três figuras (episódio 21, 3ª Temporada), que sem nenhum esforço interpretam a si mesmos, são verdadeiros personagens... Tipo Três Mosqueteiros, As Meninas Super Poderosas, As Panteras, As Noivas do Drácula, Três Espiãs Demais, The Supremes, Lia, Diva e Vicky (as três amigas da Barbie), As Moiras (Parcas) da mitologia grega... Sei lá, algo de tipo. Lindsay Lohan (a "queridinha" da América), Rex Lee (carinha popular em seriados) e o blogueiro Perez Hilton (fofoqueiro de carteirinha).   

O legal é que isso não é apenas cena de seriado norte-americano. É realidade em tantas escolas e espaços acadêmicos bem próximos de nós. Sistemas de controle, seleção, avaliação, vigília e punição de corpos. Se pensamos que esses dispositivos de poder são coisas passadas, tipo da inquisição, doce engodo. Essa é uma das práticas mais contemporâneas, usadas nos espaços que imaginamos ser os mais esclarecidos, sábios e conhecedores.

Entre as perguntas que ficam caladas no íntimo... 6,5 é quanto eu valho? O que em mim te afronta para inscrever no (m)eu corpo essa cifra? Dos conceitos, imagens e gestos que mostro, algum te desaloja? Aponte-me onde errei e não fuja de minha presença, qual criança que fez algo escondido, sem pelo menos encerrar a sessão que você abriu.

A vocês, Moiras, "capazes" de cortar o fio da vida, mudar os rumos de uma trajetória, silencio e dedico uma canção. Ela expressa meus sentimentos de fracasso, derrota e sensibilidade para acolher a sentença que vosso poder determina. Com um "P" na testa, sigo em frente, deixando claro que este é o sentido de um perdedor como eu.


Foto de Odailso Berté 

5 de maio de 2012

Piñero, em tua sombra, um deleite


"Eu nunca quis ser ninguém. Uma vez um cara me disse que eu escrevia bem, que escrever me tiraria da prisão. Tirou e não, porque tive que voltar para poder escrever bem."

Um poeta, um escritor, um ator, um bêbado... Um Cristo drogado. Um satã do céu. Um arcanjo, Miguel Piñero. Um nova-riquenho, Mikey Piñero. O criador da famosa peça "Short Eyes" (1974), apresentada na Broadway e adaptada para o cinema em 1977.

No filme "Piñero" (2001), dirigido por Leon Ichaso, Benjamin Bratt assume em sua interpretação o homem que seguiu à risca o conselho de sua mãe: "fale com os olhos e olhe com a boca". Um corpo cambaleante, tenaz e sedutor, que proclama poesia com seus olhos gritantes e desfere desejos com sua boca observadora.

Bratt, ao (prot)agonizar os prazeres e agonias de Miguel Piñero, se faz inventor e vendedor de esponjas, peixes e pérolas. Sua poesia absorve os líquidos e as poeiras da vida, exala os perfumes e os maus odores do cotidiano e apresenta os tesouros e as misérias que cada humano constrói. Um poeta submerso, underground por opção, que ao invés do dinheiro e da fama dos artistas consagrados, só cobiçava chamar sua atenção.

Numa sequência de imagens em nada lineares, que alternam-se entre o colorido e o preto e branco, a história se faz de pedaços, pedaços de uma vida vivida aos pedaços... Vida despedaçada. Entre encenação e realidade o filme vai se montando como um quebra-cabeça, como um teatro feito de atos desolados.

E o que perdura é a trajetória infame de um Piñero que floresce na aridez da prisão. Desordeiro, errante e comovente. Artista e bandido que, como ninguém, fazia de um cinzeiro seu cemitério de lembranças. Um homem que enquanto vivo e mesmo depois de morto, em forma de cinzas, foi absorvido pelas ruas.


Imagem capturada aqui.

3 de maio de 2012

entre teias e enredos


Entre teias e enredos, frio e estudo, solidão e saudade, aventuro memórias doces, insanas e vagarosas... Que vagueiam meu pensar, sentir e gozar esses momentos tão típicos de minha persona.

Recordo das histórias da Carochinha, de como ela, qual Felícia, hoje agarra seu novo gato. Este, expelindo encantamentos pelo sorriso e pelo olhar. Ao que parece, Carocha pode repetir seus padrões afetivos de docilidade romântica, o que depois, quando enjoar do gato, se tornará "a" dificuldade para o pobre bichano de desvincular dos laços.

Dos tempos de infância acordaram cenas do recreio brincado, dançado, cantado, como se fossemos o "Trem da Alegria", tendo como palco as prateleiras da velha copa do campo de futebol. O sol de inverno lá de Jaboticaba me aqueceu hoje, trazendo saudade do que fui e que permanece aqui nesse corpo - artista - infante.

 Nas canções e performances de Glee para Whitney, embalo sentimentos que, aparentemente, vivo sozinho, todavia, são povoados de personagens que seguem colados aos meus afetos. Às vezes a dois, outras a mais... De "I have nothing" a "It's not right but it's ok", como Kurt e Blaine, traço linhas, colagens e ilustrações que dizem bem do amor que vinha me deixando e que deixei.

Vestindo-se de Miss Simpatia, Sandra Bullock desfere os tiros mais certeiros de humor e amor. Ah, esses policiais que mexem conosco, Gracie... Se soubessem o quanto nos custa ser agente e refém, mesmo passado quase um ano.

Assim, a solidão se faz macia, leve e até gostosa. Adornada pela saudade do amor que não mais tenho, mas sinto... Que não pesa, mas ocupa espaço. Que não consome, mas ainda me rouba lágrimas quando, despercebido, me deixo beijar pela imagem, pelo sorriso, pelo toque, pela respiração, pela cor... "... If I don't have you."

Imagem de Benjamin Bratt, capturada aqui.