17 de setembro de 2012

Sobre sol e vento, beijos e bichos


Por vezes parece tão patético escrever sobre o que se vive, se pensa, se sente, que dá vontade de mandar o mundo se lixar. O mundo, as normas acadêmicas, os textos, as avaliações, a constituição. Até a dança, que na sua roupagem contemporânea, por vezes parece queimar as lantejoulas para vestir-se da mais abstrata massa cinzenta.

Na vida a gente bate perna pra chegar nalgum lugar, bate a cabeça pra decidir o mais correto possível, bate cabelo pra extravasar, bate portas pra cuspir a raiva, bate em portas pra que ambientes se abram, e o coração, essa metáfora pra falar de sentimento, também bate bombeando necessidades corpo afora.

O vento batia sofrido nas paredes, fatigado pelo calor, movia as etiquetas de viagem ainda não removidas da mala sobre o roupeiro. Uma saudade doída dos que ficaram e daqueles que estão por vir. Um resumo do querer ir embora ficou embrulhado no bilhete sobre os livros. Nada novo sob o sol que escalda cada fiapo do sentimento.

Sinto que trisco na dança sem dançar, toco no amor sem amar, vejo e só solidifico as imagens que a retina capta. Elas é que servem aos meus desejos incontáveis. Poucos dos humanos, contemporâneos meus, entendem que uma oportunidade já seria o meu troféu, que um beijo seria meu gozo, que um chão sem linóleo já seria meu palco, que um olhar cumplice já me clarearia o caminho.

De recompensa, em mais esse dia de baixa pressão, o 'leãozinho' do Caetano, tão fofo, me disse "pára de se entristecer". Minha pele, minha luz, minha juba ficaram enrubecidas, tontas de ternura. Já o 'passarinho' do Alexandre Nero, chegou de mansinho e me mostrou que "não tem nada, porque nada deseja", mas que "a terra verde é sua, o céu azul é seu". Daí que vi que ele "tem muito, muito, muito mais que eu".

Levantei os olhos, revi o que tinha escrito, mudei parágrafos de lugar, troquei de música. As batidas continuam, o vento me coça as costas, a dança segue com a mão estendida conclamando-me para a pista. Falta-me um beijo pássaro, um afago leão, um dia a mais para deixar que a continência se perca na noite e prostitua minh'alma, essa invenção ingênua do (m)eu corpo que geme saudades, desejos e conflitos.

Foto de Odailso Berté.

2 comentários:

  1. Lindo texto, como sempre. Vc tem o dom das palavras. Mas me pego pensando que acabamos falando sobre sentimentos, desejos, afetos que esquecemos o principal: nos permitir vivê-los!

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    1. Sinto/penso que a permissão para viver sentimentos, desejos e afetos se instaura quando uma relação acontece, quando um outro nos faz entender que estar junto é melhor que estar só, quando a partilha de afeições se realiza em intensidades recíprocas.

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