30 de junho de 2010

Hard Candy

"Estrada Nova" - Oswaldo Montenegro
"Murmuro que seja doce, sete vezes" - Caio Fernando de Abreu

Que assim sejam
Os dias que nos propomos
Embora não pareça, tenho medo de ir
Sobreviver para então, viver
Entre lembrar e esquecer
A dor há de passar
Das amarguras doídas, doçuras vindouras
Do desejo recolhido, gozos conjuntos
Da saudade que já se instaura, amor de todos os dias

29 de junho de 2010

Em primeira pessoa


Nasci num lugarejo que, de tão pequeno, se chama Jaboticaba. Além dos bailes, onde os adultos dançavam e encontravam seus pares, pouco se falava de dança por lá. Ainda criança, sabia que não encontraria meu par e nem uma dança legal naquelas festas. A dança eu comecei a inventar nos campos de aveia, onde corria atrás das garças brancas. Em meio à aveia verde e o sol das frias manhãs do inverno lá do sul, no auge dos meus oito anos, eu coreografava a mim e às garças. O par, veio bem depois, quando já havia conhecido outras cidades, bem maiores que uma jaboticaba.

Levei tempo para começar o auto(re)conhecimento. O menino meio desajustado cresceu entre ser a estrela e o saco de pancadas da escola. Passou pelas malhas da Santa Madre Igreja, aprendeu a ser ajustado e pontual, incorporou filosofias, (des)mistificou teologias, inventou modos tantos de configurar sua vida em forma de coreografias.

Hoje, em terceira e primeira pessoa ele se pergunta aquela pergunta chavão: quem sou eu? Aquele que vê através das pessoas? Aquele que sempre tem correções a fazer? Aquele que filosofa e sempre tem uma palavra clara a ser dita? Ele dança ou filosofa? Ele ficou em décimo ou em primeiro lugar? Por que ele se sente perseguido pela síndrome da traição? Ele se acha importante ou insignificante?

É ele que se emociona ao ouvir "Empire State of Mind", não pela apologia a NY, mas pela voz rasgada de Alícia Keys que de uma forma melancólica e melodiosa o faz acariciar seus sonhos, saudades e sofrimentos mais escondidos. Chorar ouvindo música parece cafona, mas deixa a dor das perdas com ritmo de trilha sonora. Faz a dor atravessar pelo corpo sem tirar sangue.

Me pergunto pelo homem que venho me (trans - de - re)formando. Me questiono pelo amor feito existência no cotidiano (m)eu... Pela dor que melhor me atravessaria ao soar a trilha... A do rompimento ou aquela que vai provocando rupturas ao longo dos dias? Em que paragens foi se assentar aquele amor de escritos, desenhos e canções? Amor, ainda jás me esperando num lugar especial? O cenário dos teus mistérios são escuros e doces como as pequenas jaboticabas, ou profundos e esverdeados como rios que abraçam cidadelas em meio aos cerrados? Só anseio por uma volta ou uma espera.

Dessas palavras adocicadas, paleativas a arrastadas vou extraindo novos gostos de vida. Atento para aquilo que ainda quero, sedento para o que ainda não gozei, medroso por aquilo que ainda queima no peito, lateja na cabeça e assovia no sexo. Dou-me inteiro... Amo aceso... Espero contente... Choro sozinho... Danço longe... Sigo assim... Sou isso.

28 de junho de 2010

Entre cravos e espinhos


Desde a Grécia antiga a saga do amor vem sendo encenada por deuses e humanos. Mesmo o Deus judaico-cristão, difundido pelo mundo ocidental, é proposto como um Deus-amor que pede que nos amemos. Entre orgias e irmandades, canções e (des)ilusões, o amor é celebrado em todos os cantos do planeta.

Mas trata-se de que mesmo o amor? Algo já pronto e pré-destinado a ser buscado? Algo a ser escolhido dentre várias possibilidades? Algo a ser construído ao longo de um processo? Já temos um modelo de amor confeccionado ao qual só falta encontrar o corpo que lhe caia bem?

Acredito em ter, sim, pequenas expectativas de amor que vão se transformando ao entrar em contato com o ser amado, que não é amado de imediato, mas que vai sendo amado conforme o amor vai sendo feito no dia a dia.

Me vejo como Adélia Prado, não quero amor tanquinho...
"Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho."

Não sigo procurando, sigo construindo, (re)inventando formas de amar, nas quais se (re)conhece o ser amado como ele é, imperfeito, gordinho, misterioso... Sem admirar a permanência dos defeitos ainda acredito na possibilidade de amar com exclusividade, pois intimidade não é coisa comunitária.

Livre de estereótipos de amor fabricados pelo senso de que "todo mundo faz", insisto em formas particulares de amar onde dois corpos ardem por complementariedade, satisfação, troca de saberes e de dúvidas. Amor que entende o propósito do outro, seja ele mais ou menos infante, que acolhe as dores do outro, sejam as dores que brincam ou as que queimam.

Assim, gosto muito de fazer amor.

Imagem do Espetáculo "Cravos 1982" de Pina Bausch.
Capturada em:
http://marilinealves.blogspot.com/2006/01/cravos-de-pina-bausch-lisboa-setembro.html

26 de junho de 2010

Impagável


Passeio na manhã de sábado pela Avenida Goiás
O coração, os sonhos, os sorrisos... todos de mãos dadas
Bancas, vendedores, livros e DVDs vão abrindo caminho
Surpresa serena ao encontrar
o que não se estava procurando no momento
Esperas e esperanças se dilatam
entre cumplicidades ditas ao pé do ouvido
Toques travessos por entre prateleiras
Sandálias nos pés, eles trilham lado a lado
Goiânia multiplica vontades de viver junto

Imagem: Carlos A. Siqueira
Capturada em:
http://www.panoramio.com/photo/11282845

25 de junho de 2010

24 de junho de 2010

Para que o dia não perca a poesia


Invento alegrias
Enfrento alergias
Construo elegias
Desperto histerias
Lamento homilias
Ascendo energias
Agarro utopias
Imagino ousadias
Desloco ironias
Fragmento teorias
Costuro filosofias
Alinhavo coreografias


Imagem do Espetáculo "Cravos (1982)" de Pina Bausch
Capturada em:
http://www.redfront.co.uk/index.php/site/article/pina_bausch_and_branding/

23 de junho de 2010

Brincar sempre


O que significa amadurecer? Será que deixamos uma criança para trás ao nos tornarmos adultos? Trata-se mesmo de uma superação da infantilidade para subir ao pódio da maturidade?
Se for assim com alguns... Que pena. Devem sofrer essas criaturas.

Eu criança sigo em eu hoje. Essa criança apenas vai somando experiências e complexificando suas formas de se relacionar. Mas não deixa de ser.

Os brinquedos da infância deixam de fazer sentido ou são eles que nos ensinam a criar sentidos para a vida? Precisamos mesmo nos desfazer dos nossos brinquedos? Ser adulto é deixar de brincar?

O filme "Toy Story 3 (EUA, 2010)", da Walt Disney e Pixar, me trouxe essas perguntas. Um desenho animado que parece brincadeira pode fazer refletir. Brinquedo que faz pensar. Ludicidade que faz filosofar. Arte que faz o pensamento dançar.

Imagem: Wolney Fernandes

E se...


Tudo o que vemos e ouvimos nos contamina de alguma forma. Nada nos tira de nossa relação com o ambiente do qual somos participantes, voluntaria ou involuntariamente. Mesmo um filme como "Cartas para Julieta (EUA, 2010)", dirigido por Gary Winick, doce e, de certa forma, previsível, desperta sentimentos/pensamentos poéticos e céticos acerca das situações afetivas que todo e qualquer mortal vive.

Até que ponto devemos seguir os sentimentos? E a razão, devemos ouví-la? Esse chavão dualista nunca funcionou dessa forma. Amargo engodo. Razão e emoção agem de modo conjunto, não sendo possível dissociá-las para entender o que é uma e o que é a outra. Mas as metáforas de seguir o coração ou a mente, o senimento ou a razão, podem ajudar a olhar para certas relações (sem esquecer que são indissociáveis).

Quando tudo parece pueril, confuso, sem explicação, deplorável... Mas o amor, o bem querer e a atração palpitam forte... O que fazer? É possível (re)construir a relação quando os afetos se mostram feridos? Afinal de contas, confiança no outro surge como, quando e a partir de quê? Não seria algo a ser contruído ao longo do percurso? Confiar seria então um processo?

Nós construímos as relações ou elas é que nos constroem? Há aí uma via de mão dupla. Contaminamos as relações e somos contaminados por elas. Não há condutor ou conduzido. As conduções são mútuas, a doação contamina a recepção que novamente contamina a forma seguinte de doar... E assim sucessivamente.

E se... Mas e se... E talvez se... De possibilidades se fazem os sentimentos/pensamentos, mesmo os que agora tornam-se palavras neste escrito. Mas e se for verdade? E se não for dessa forma? E se for engano? E se for assim mesmo? E se o amor ainda...? E se amar for mesmo um processo cheio de "e se..." para que aprendamos a amar durante o seu transcorrer? E se para amar não existe cartilha de receita? E se amor é algo que a gente pode (re)inventa a cada dia? E se... E se...

Penso que tudo o que somos, fazemos, queremos, deixamos, alcançamos é fruto de uma escolha entre possibilidades tantas. Vivemos entre tantos "e se...". Somos consequências de inúmeros "e se...". Também nossos afetos e amores são frutos de certos "e se...". Os "e se..." podem ser dúvida ou possibilidade. Depende do que vamos elaborar a partir deles. De dúvidas e possibilidades edificamos a existência. E, obviamente, o amor.

Amar... Duvidar... Possibilitar... Três verbos abertos à inúmeras conjugações cotidianas.

Imagem capturada em:
http://www.cinemaemcena.com.br/ficha_filme.aspx?id_filme=9342&aba=detalhe

20 de junho de 2010

Agua - Pina Bausch's Tanztheater Wuppertal

Água... Movimento... Corpo... Dança...

As líquidas elegias que o corpo pensa e mostra, inspirado na realidade brasileira.

Arte, para além de quaisquer nacionalismos.

Bolas em campo, sexo e a cidade

Me impressiona como, com a entrada das bolas em campo, a realidade toda se transfigura, pois, afinal de contas, é tempo de Copa do Mundo. O nacionalismo está à flor da pele. Talvez como em nenhum outro momento as pessoas se vestem do mesmo uniforme, se olham, sorriem umas para as outras, se abraçam, gritam, falam palavrões e bebem em comunidades verde-amarelas.

O jogo assistido funciona quase como um dispositivo "avatar", onde o corpo do espectador vive com tal intensidade a situação como se ele próprio estivesse jogando no corpo do jogador em campo. Misturam-se afetos e afetações. O que é real e o que é virtual nesse momento? É como se o torcedor pudesse alterar a habilidade do jogador com urros, berros, gritos, palavrões, gestos grotescos, de força e virilidade... Uma situação onde erotismo, libido e exitação se misturam por meio de sinapses neurais incalculáveis. É o tesão da copa...

A paixão avassaladora incendiada em meio à Copa, devora e ocupa o espaço de todos os outros pensamentos e atividades humanas. A cidade pára! O silêncio se instaura e só é rompido bombasticamente com os berros despertados pelo gol, com os urros menores de insatisfação pelos erros dos jogadores, e, é claro, com os palavrões escaldantes proferidos até pelos acadêmicos mais letrados. Mas, vamos nos alegrar, é tempo de Copa.

O calor quase sexual da Copa invade os espaços todos da cidade. Os corpos todos são tomados por esse desejo intempestivo, este tesão nacionalista verde-amarelo com o qual a pátria é amada e idolatrada, gozada e glorificada com lágrimas, suor, cerveja e outros líquidos. OH YEEESSSS!!!! As bolas estão em campo... Futebol é paixão nacional.

Imagem capturada em:
http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Times/Selecao_Brasileira/0,,MUL1204851-15071,00.html

19 de junho de 2010

Sexo e a Cidade

Embora Carrie Bradshaw, a pesonagem vivida por Sarah Jessica Parker na série 'Sex and the city', me fascine por sua ousadia feminina comedida ao escrever sobre relacionamentos, não busco, aqui, dar uma de 'Oda Bertédshaw', longe disso. Mas os relacionamentos, o meu e os de quem me cerca, tem me inquietado e me levado a refletir acerca de como são estabelecidas as redes de relações afetivas/sexuais entre os pares. Quais as licenciosidades que os pares se permitem quando não estão próximos um do outro? Ainda é possível amar sem trair? Ou chegamos num estágio evolutivo de traição consentida?

Me pergunto em que lugar estou... Se sou resquício de um ancestral quase fossilizado que ainda sonha com relacionamentos duradouros, adornados de um querer mútuo que não deixa margem para olhares externos à relação? São esses outros modos de se relacionar, em que se troca carícias e orgasmos com outros parceiros e mesmo assim existe uma aliança firmada, que dão o tom do que é uma verdadeira relação?

A reflexão fica nas perguntas, nessas ditas e noutras tantas que com o passar dos dias as palavras conseguem dar forma. Não me entendo um sacerdote puritano em defesa dos bons costumes. Acredito que todos os amantes devem ser felizes a seu modo... Viva ao amor!!! Mas me preocupo em como ficam, de fato, por mais que não demonstremos diante das liberdades dos novos relacionamentos, nossos sentimentos/pensamentos em saber que o corpo/pessoa que amamos é divido, tocado, acariciado, consumido e gozado por outro corpo/pessoa alheio as nossas afinidades e intimidades? Como é aceitar, conscientemente, terceiros, quartos, quintos e tantos outros gozando da mesma relação, do mesmo amor, da mesma aliança? Ou devemos assumir uma suposta multiplicidade no amor? Podemos ser tantos quanto quisermos e com quem pudermos no amor?

Será que o amor chegou num estágio social (grupos) e não mais dual (pares)? Será que podemos pensar em afetos extendidos e não mais restritos e dirigidos a uma só pessoa? Será esse o verdadeiro instinto humano? Ou de fato amor é uma coisa e sexo é outra, que podem, ou não, estar juntos?

Nesta cidade, diante de tudo que tenho visto, sentido e vivido, sexo e amor parecem coisas que facilmente se adquirem e se perdem, dentro de um fluxo turístico e carnavalesco que se estende para além das datas específicas. Parece que o amor turístico, que apenas visita diferentes corpos, culturalizou-se.

Respeito "All the lovers", mas sigo acreditando em sexo e amor casadinhos, que se instauram numa relação a dois, de cumplicidades cotidianas e afinidades onde não há medos de ser o que se é. Ainda prefiro fugir da luzes das novas compreensões de amor, entendendo que ser um amante contemporâneo é olhar não só para as luzes, mas para aquele modo de amar que parece estar sendo deixado no escuro e nas sombras, que parece careta. Aquele modo de amar em que distância e tempo não importam, pois quando se está junto... É maravilhoso!!! Vale a pena esperar.

Imagem 1 capturada em:
http://bedtimestory.blogger.com.br/2002_11_01_archive.html
Imagem 2 capturada em:
http://www.dailymail.co.uk/debate/article-1213495/Death-honest-TV-product-placement-cynically-blurs-line-entertainment-exploitation.html

14 de junho de 2010

(re)flexões e (re)invenções

Fechados cada qual na sua igrejinha do saber, poucos passos podemos dar em torno das nossas próprias crenças adoradas como conhecimento. Há muito mais a se alcançar nos caminhos da relação e do diálogo com outras áreas de conhecimento. Nessa perspectiva, realizou-se, nos dias 9, 10 e 11 de junho de 2010, o III Seminário Nacional de Pesquisa em Cultura Visual, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual da FAV - UFG, na cidade de Goiânia/GO.

Entre as várias atividades, reflexões e palestras, destaco a fala de abertura 'O catador de sonhos', proferida pelo Sr. José Luis Zagati, criador do Mini-cine Tupi. Movido pela sua paixão por cinema, ele, um catador de papel, proporciona, gratuitamente, sessões de cinema para crianças e demais pessoas da periferia.

Sem obrigação nenhuma e sem recursos para isso, Zagati reinventa modos de ser humano a partir das condições que se lhe apresentam. Nessa condição de senso comum, como podem dizer certos/as intelectuais, Zagati possibilita uma série de reflexões que desbancam as pretensões de que a arte e o conhecimento têm lugar específico, ingresso e hora marcada para serem produzidos.

Em consonância com reflexões contemporâneas em arte, no gesto de Zagati se pode ver o quão inútil é seguirmos tentando prender o conhecimento e a arte dentro das fronteiras da academia, dos museus e dos palcos, distante do cotidiano e da realidade.

Tanto a dança quanto a cultura visual são áreas de conhecimento que, para construir seu campo, dialogam, se relacionam e refletem com diferentes áreas de conhecimento. São conhecimentos articulados por corpos não ensimesmados, numa dialogicidade que configura saberes sem pautar-se nos manuais canonizados.

Ser contemporâneo talvez seja a atitude de seguir desobstruindo os caminhos trancados pelos entulhos canônicos, modernos, normativos que ainda prescrevem os espaços e os modos de se apresentar da arte e do conhecimento. Do grafite no muro ao quadro da Monalisa no Louvre, do pedestre apressado atravessando a rua ao dançarino contemporâneo correndo no palco, o que muda são os espaços onde estão e a relação que com eles se estabelece. Pois, todos são formas de conhecimento.