27 de setembro de 2011

... in Rio


Não me furto de pensar sobre o que poderia ter sido possível e não foi. Considerar possibilidades engrandece nossa atuação entre os demais humanos que estão à nossa espera e pelos quais esperamos. Convivo entre fantasmas que cantam ocultos em minha ópera afetiva e, assim, me esforço para resignificar certas experiências vividas.

O duelo entre a minha exigência e a sua displicência contornaram meus pensamentos e passeios pela cidade maravilhosa. O Rio é lindo! Merece os elogios que lhe são atribuídos. Lembro que há um mês me senti preterido por esse lugar. Troca justa. Meus contornos talvez sejam menos atrativos. Lá no fundo da minha percepção, imaginava pedaços do teu olhar encantado ao ver tudo isso.

Ao escrever isso, me dou conta que hoje somo outro dia 27 e quieto recordo aquelas celebrações a dois, coisas pequenas que inventamos e que vão ficando para trás. Considero que esquecemos facilmente aquilo que é superficial. Árduo é esquecer aquilo que com o tempo regamos e ganhou raízes profundas, difíceis de arrancar. Nada que uma viagem de duas semanas apague.

Mas ainda tenho três dias de Rio e, enquanto finda o Rock in Rio de um lado, de outro saboto a atitude de turista e descubro monumentos não credenciados, momentos a só, descanso, passeios despretensiosos, amizade rara que desponta à distância, cruza o tempo, traz risos e afeto para sobreviver muito mais tempo.

23 de setembro de 2011

Devaneio regado a merlot


Tomo tudo que me tem sido dito, feito, prometido, apontado, mentido, mostrado... E rezo sozinho, uma prece irônica, diante de uma taça de vinho, um cigarro e a música que diz tudo o que sinto agora.

Essa canção narra minha sina, habituada a amar depois da hora certa. Se eu pudesse, dava tudo o que tenho para que hoje fosse 27 de novembro de 2010. Eu já não sei bem quem sou e nem aonde vou, mas vim...

Não encontro moedas pelo chão, não vejo ninguém pra me abraçar nem pra me dar a mão... Nem sei se mereço. Talvez esteja querendo demais.

Minha carne dói. Cada músculo soletra as letras do nome bordado no teu uniforme. Íntimo desejo. Gosto amedrontado. Olhar incomum. Restos de amor em pedaços.

Ouvi dizer que você está bem... E nestes sorrisos encontro o muito que deixei para viver este pouco. Ah, tentei falar, mas você não soube ouvir.

11 de setembro de 2011

Rolling in the deep


Amanheci querendo uma imagem para dizer algo mais junto da linguagem comum das palavras. Uma imagem inspirada por uma canção. Um postagem motivada por um momento. Um homem impelido por um sentimento. Um corpo apropriado de um pensamento.

Inicio mensagens que prometem deixar claro o que sou, sinto e sei, mas, ao chegar na metade dessa mísera redação, apago-as. Não sei se devo deixar tão claro isso tudo que digo ser, sentir e saber. Assim, morrem tantas mensagens, possíveis ditos, palavras, pedaços meus que poderiam mudar rumos cotidianos.

Volto constantemente para a canção que tem se feito um hino diário. Nela encontro uma força quase religiosa, como dizem por aí, embora eu desconfie disso. "Rolling in the deep", a qual recomendo para quem ainda guarda dizeres presos no espaço entre a garganta e o coração.

Não sinto nem penso as coisas num mundo de ideias, elas palpitam e ardem na carne. Nesses músculos, ossos e veias caminham inteligências que nem posso contar. Se as histórias que meus neurônios criam pudessem ser ouvidas a "ouvido nu", não poderia me responsabilizar pelos escândalos que causariam. Típico de um bicho de corpo.

A batida segue me dando os passos. Obediente e travesso, danço e persigo a melodia e na imagem realizo desejos não ditos, guardados depois da mensagem apagada. Simples como uma pomba e ousado como uma serpente, alimento meus demônios emocionais e permito que me amem errado até a corda arrebentar e o precipício tragar aquilo que poderíamos ter.

Assim, apocalíptico, sigo com meus afazeres que precisam mais das minhas energias do que certos princípios encantados que passam a noite no baile e deixam o principal chorando as penas de um velório romântico.


Imagem: fotografia "The Taser's Macrorgasmic Dominium Sense" (2009) de Alessandro Bavari
Capturada aqui.

9 de setembro de 2011

Dança como protesto afetivo


(M)eu corpo quando capturado pelo que ouve, vê, toca, faz festa, ritual, protesto. Sai à rua, se veste, se pinta, se enfatiza para demarcar espaços que são seus, terrenos e tetos dos quais não quer ficar sem. Esse corpo dança - se diz - se dá - se mostra - e assim dialoga com o mundo de outros tantos corpos.



Mais gordo ou mais magro, dando um mínimo de crítica aos padrões, me entorpeço de (des)afetos para deliberar vontades em tardes e noites que fazem irromper calores guardados, afoitos por se lançarem contra. Chama-febre que me tira da escuridão, me faz brasa. Rolando lá no fundo, transbordando por minhas arestas.

Se saudosa e desapercebidamente espio por cima do ombro, vejo se apagando atrás de mim aquilo tudo que podíamos ter tido... Daquele modo, incondicional. Coração, palma, mão... Brincando, em uma displicente forma de amar que destituiu a segurança de ficar. O aviso da perda iminente não foi o suficiente para demover sua armadura.



Dançar se faz meu protesto, minha quebra dos pratos, minha tempestade em quantos copos d'água forem necessários. Bebo a música, me embriago em sua batida e a inauguro como hino que me move a sacrifícios, liturgias profanas para desestabilizar quaisquer laços entre céu e terra, pois abomino, a cada dia mais, qualquer dualismo.



A lágrima e o suor desse corpo que sou se fundem no calor desse movimento que me escorre de ponta a ponta. E assim me refaço a cada instante, me entendendo como membro-bicho da evolução das espécies. Danço e derreto em afetos que ardem, protesto, vermelho, materialista, histórico, amante.





Imagens do vídeo clip "Rolling in the deep" - Adele.

5 de setembro de 2011

Menina-Mulher - Madrinha-Morte (textimagens 3)


"Conheço essa voz", disse Frida. "Ouvi-a pela primeira vez quando tinha uns seis anos e vivi intensamente a amizade imaginária com uma menina da minha idade." A mulher acenou com a mão, convidando-a a prosseguir com seu relato: "Foi na janela daquele que era na época o meu quarto e que dava para a calle de Allende. Cobri com um sopro do meu hálito os vidros da janela e com o dedo desenhei uma porta e por essa porta saí voando alegre e veloz.



"Lembro-me disso como se fosse ontem, Frida, minha linda afilhada. Bem-vinda à minha casa, à qual você pertence", disse a mulher.
"[...] eu sou o mais comunista de todos os seres. Para mim, não há ricos nem pobres, nem grandes, nem pequenos. Todos, sem exceção, terminam aqui, comigo."





Trechos do livro "O segredo de Frida Kahlo" de Francisco Haghenbeck
Imagens:
"Menina com máscara da morte", obra de Frida Kahlo
"Anjo da morte", Jéssica Lange no filme "All that Jazz"
"Frozen", vídeo clip de Madonna

3 de setembro de 2011

A dança tétrica (textimagens 2)

"Sua majestade", acrescentou o Judas, rindo sem parar.
"A chegada da Senhora", rematou a escultura de pedra.
Frida, convidada para tão agradável festança, não questionou a necessidade de esperar pela anfitriã e, para matar o tempo, distraiu-se vendo como as frutas da mesa executavam sua dança de acasalamento cantando muito afinadas "La Llorona".



E eram mesmo muito afinados. Aqueles cocos, pimentas e pêssegos sabiam conduzir muito bem o ritmo. Seu canto fez dançar um par de bonecas, uma de papelão e outra vestida de noiva, que ficava corada com os sorrisos sedutores da melancia. Enquanto transcorria o espetáculo musical, abriu-se um par de cortinas para mostrar uma enfeitada figura vestida com saia cor de goiaba, salpicada de sementes tecidas e ornadas de flores nervosas que faziam soar suas pétalas como guisos. A blusa era todo um redemoinho em ebulição, onde as cores das pimentas lutavam para destacar-se da cor de molho escuro do tecido.



A aparição da mulher foi impressionante, digna de uma imperatriz, mas Frida sentiu-se frustrada por não poder ver o rosto que ela escondia atrás do véu.




Trechos do livro "O segredo de Frida Kahlo" de Francisco Haghenbeck.
Imagens:
"Danza de la muerte", de Michael Wolgemut
"A noiva cadáver", de Tim Burton
"La Catrina", personagem de José Guadalupe Posada

2 de setembro de 2011

Na Ceia da Morte (textimagens 1)


Todo o lugar estava iluminado por milhares de velas que dançavam ao ritmo das chamas consumidas pela cera. Velas grandes e robustas, pequenas e gastas. Todas tão diferentes como as pessoas que existem nesta vida. Entre aquelas velas, a sombra de Frida tentava alcançar uma mesa elegantemente enfeitada com flores e frutas tropicais, que mostravam seu interior carnudo como sensuais exibicionistas. Havia travessas com graviolas, romãs e melancias rosadas, que compartilhavam o espaço com um enorme pan de muerto, cujos ossos, perfeitamente moldados, estavam cobertos com refinado açúcar.



"Bem-vinda! Convidamos todo mundo para a festa", disse um dos convidados do banquete.
"É preciso esperar a chefa para começar", anunciou a caveira.




Trechos do livro "O segredo de Frida Kahlo", de Francisco Haghenbeck
Imagens:
"Catrina de Frida", Jesus Buenrostro Galicia

em desconstrução


Cansado de ouvir que eu só sei amar errado, cansado de me dividir, de ir e vir, levar e deixar pedaços de mim em lugares, corpos, sentimentos e saudades. Cansado de idealizar uma relação, uma pessoa, uma possibilidade que não cumpre essas expectativas utópicas e tão minhas.

Como diz a música que me rege nesse momento, muito pra mim é nada e tudo para mim não basta. Quero com ousadia e em demasia. Sonho que essas coisas boas daqui de dentro possam ser reais e me satisfazer um dia nisso que penso ser amor.

Seguindo com a canção, me pergunto: O que é certo no amor? O que falar, calar e querer? Dessa pergunta saem sons que me apontam evidências palpáveis, mas ainda em tempo de espera, de saber seus porquês. Se erro nas previsões, quero que ao menos aquilo que surge sem prever e já me toma de cheio, possa aprontar desconstruções e me deslocar dessas manias tortas de amar.



Imagem: TRYPTICHON 1 - Deconstruction of a Hero and recostruction of the Man - 2001
Fotografia de Alessandro Bavari
Capturada aqui.