29 de março de 2010

Avatar de Utopia

Atlântida - a mitológica cidade construída por Poseidon e afundada por Zeus, descrita por Platão... Utopia - a cidade renascentista, feliz e isolada, descrita por Thomas Morus... Pandora - o planeta da diversidade e da interdependência, criado por James Cameron no filme "Avatar" (EUA, 2009).

O sonho de viver em paz num lugar perfeito, ao longo dos tempos, se refaz no imaginário humano. Seguimos atravessando mares vermelhos, roxos, amarelos, verdes, azuis... Em busca da "Terra de Sião", prometida, mas nunca cumprida. As tempestades, maldições e guerras, que nós próprios criamos, seguem distorcendo nossas utopias.

Em "Avatar" vê-se a capacidade humana de assumir a corporeidade do outro com intuito de assimilar suas estratégias de vida, assumir seus modos organizativos e assambarcar seu potencial, seus bens e sua terra.

Após eliminar as possibilidades de vida na Terra, os humanos invadem o planeta Pandora, habitado pelo povo Navi. Sem o engodo da "descoberta de um novo mundo", vê-se a recriação fictícia (baseada em fatos bem reais) da colonização envolta num aparato tecnológico mais evoluído. Valendo-se de avatares (reproduções genéticas de corpos do povo Navi controlados pela mente humana), os humanos conseguem invadir com mais perspicácia, literalmente, vestindo-se à caráter, ou, como lobos em pele de cordeiros, para descobrir a lógica de organização, a fonte da vida, o ponto aglutinador de forças do sistema ambiental dos Navi.

A força, a violência, os aparatos bélicos, a tecnologia, a ganância e a vontade humana são usadas para fragilizar, ferir, destruir e desestruturar o equilíbrio de uma forma de vida diferente. Os Navi, um povo para o qual não existem as dissociações cultura/natureza, corpo/mente, sujeito/objeto, sagrado/mundado, humano/animal... Tudo e todos interagem como partes de uma mente ambiental ampla, codependem uns dos outros, agem, pensam e vivem em rede, conectados e conectando-se para sentir juntos. Essa "corponectividade (RENGEL, 2007)" ambiental, cultural, psicológica, corpomental, é o que mantém vivo o seu sistema de vida.

Mas, como certos animais humanos terráquios desconhecem (na ficção e na realidade) o valor disso tudo e possuem um sério problema com a alteridade, não poupam munição e nem medem as consequências. Já conhecemos essa história, ela faz parte do nosso DNA ocidental, segue inscrita em nossos corpos, somos herdeiros da brutal colonização.

A utopia (u-topos = o não lugar, lugar nenhum, ou, o lugar ainda não), pode ainda suplementar nossos modos de agir? Ou as distopias da sociedade malévola, que decretam o fim da história, já exterminaram nossas possibilidades de instaurar outras posturas?

Conforme a filósofa Marilena Chauí, em palestra no dia 26/03/2010, na Reitoria da UFBA - Salvador/BA: o utopista desloca a fronteira daquilo que seus contemporâneos consideram possível, apreende o desejo popular e desenha o novo lugar. A ação humana é capaz de transformar.

Essa é uma utopia que instaura possibilidades. A utopia pode ser o avatar que envolve nosso corpo em meio às distopias e invasões bárbaras contemporâneas. O belo planeta Pandora foi inspirado no nosso mundo real, e esse nosso mundo não é, a priori, uma caixa de maldições.

Imagens capturadas em:

Amor é direito humano

Uma dança submersa onde o corpo adere às águas sem considerar se vai morrer afogado ou não... É assim um homem quando ama. É assim que se inicia o filme "Direito de Amar - A single man", dirigido por Tom Ford, (EUA, 2009). Uma obra cinematográfica de um tratamento estético bem equilibrado e de uma narrativa visual tocante pela sensatez com que organiza verdades humanas cotidianamente invisibilisadas.

Oito meses após perder seu companheiro, o professor George, interpretado por Colin Firth, decide tirar a própria vida. E a narrativa do filme discorre acerca de como ele organiza seu último dia. Todos os ensaios de suicídio falham, comicamente. As situações e pessoas que se atravessam dosam de variedades esse dia dramático. Em primorosa atuação, Julianne Moore interpreta Charley, a amiga íntima descrente dos amores humanos e amante da bebida e do cigarro, que acrescenta momentos irreverentes e graciosos ao filme.

Prestes a cumprir sua própria sentença, George descobre que ainda pode despertar interesses, pode amar outra vez, pode refazer os sentidos dos seus sentimentos. E esse homem, que em toda a vida só foi feliz quando esteve conectado a outra pessoa, morre quando desiste de se matar. O coração partido que estava levando-o a se matar, pára de bater, poupando-lhe o suicídio, mas não a vida.

A melancolia das doídas fraquezas humanas são docemente temperadas com beleza e arremessadas ao espectador que, se atento, as reconhece como suas, sem costuras ou intervalos. A necessidade de não ser só atravessa toda nossa experiência. Não somos caras metades, somos corpos inteiros, povoados de conjuntos vazios que anseiam por conter os elementos que no outro estão contidos, para poder somar, dividir, multiplicar e, também, subtrair as precariedades vitais.

Apesar dos marcelos, dourados de ignorância, trancados numa jaula televisiva e vomitando impropérios infundados, viva ao direito de amar e abaixo o preconceito infame.

Imagens capturadas no site Cinema em Cena: http://www.cinemaemcena.com.br/FICHA_FILME.ASPX?ID_FILME=8023&aba=detalhe

23 de março de 2010

Preciosa Poesia

sem título
Precious Jones

Chuva, rodas, ônibus,
carro,
só em sonhos
eu tenho um carro
eu e o Abdul andando de carro que nem nos filmes
o sol uma bola amarela vermelha
subindo sobre os morros...
é uma prisão
os dias em que a gente vive
pelo menos eu
não sou livre de verdade
neném, Mamãe, HIV
onde eu quero estar onde eu quero estar?...
sei ler
ninguém pode me ver agora
mas eu podia ser poeta, rapper, tenho aquarela...
Olho pra cima às vezes
e os pássaros é que nem dançarinos
ou
que nem programados
por computador
como eles voam
é de rasgar
o coração da gente
ônibus andando
a mãe da casa diz:
JOGUE AS CARTAS QUE VOCÊ TEM.
Langston diz:
SEGURE SEUS SONHOS.
Farrakhan diz:
LEVANTE-SE, NÃO FIQUE AJOELHADO.
Alice Walker diz:
MUDE.
A chuva cai
rodas giram
A Srta. Rain diz:
NÃO RIME SEMPRE
continue andando
entre no poema
o coração dele
batendo
como
um relógio
um vírus
tic
tac.

Texto do livro "Push", de Sapphire, que inspirou o filme "Precious", dirigido por Lee Daniels. Imagem capturada em: http://luanagiampietrofilmes.blogspot.com/

A Cor Preciosa

Sem carregar o estigma de ser mais um filme sobre racismo, o filme "Precious", dirigido por Lee Daniels (EUA, 2009) e adaptado do livro "Push" da escritora californiana Sapphire, não é só "mais um", é outro em pleno sentido.

Claireece Precious Jones é uma menina negra, obesa, analfabeta, de 16 anos, estuprada pelo pai desde criança, grávida dele pela segunda vez e, por isso, herdeira do seu HIV. Isso faz com que sua mãe, apesar de conivente com a situação, a odeie e a maltrate violentamente todos os dias. Obviamente, Precious é uma garota com vários bloqueios no aprendizado e na relação com os outros.

Em escolas ditas "normais" não havia mais espaço para ela, então, foi remetida à Escola Alternativa "Cada um ensina um", onde conheceu a professora Blue Rain, literalmente, uma chuva azul que rega o terreno para que Precious floresça. Sem mudanças repentinas e miraculosas, tanto o filme como o livro, dão a perceber um crescimento gradual feito de prazeres e agonias no processo de Precious.

Comovente, intrigante, reflexivo, digno e indignante. O roteiro, muito bem construído, consegue entrar nas mazelas humanas, no submundo cotidiano de vidas comuns arrazadas. O filme consegue fazer arte, incabível no binômio "bonita - feia", a partir da precariedade, daquilo que enoja, das valas mais obscuras e promíscuas que nós humanos somos capazes de abrir. É arte que age como uma navalha na carne - nos sentimentos - na razão, sem dissociação.

Desse vale de escárnios se ergue Precious, tirando forças de sua capacidade de sonhar e do ânimo recebido da professora que a incentivou a escrever, desenhar em letras o que sentia e pensava para entender melhor, para reelaborar as experiências.

Com sua cor púrpura, Precious se despede do espectador andando pela rua com seus dois filhos/irmãos e seu HIV correndo nas veias, desconcertando as nossas elaborações morais acerca da boa conduta humana... Preciosa! É possível ver nela a máxima do filósofo Sartre: "Mais do que aquilo que fazem de nós, importa o que nós próprios fazemos com aquilo que fazem de nós".

Precious, um corpo/pessoa fora dos padrões de beleza estabelecidos. Uma personagem de carne, calor, cheiro, suor e sangue que personifica as mulheres estigmatizadas e, no entanto, deslumbrantes, pois ousam se reinventar retocando sempre a maquiagem desfeita pela lágrima. Olhos marejados e sedentos. Por isso, preciosas!

Imagens capuradas no site Cinema em Cena:
http://www.cinemaemcena.com.br/Ficha_filme.aspx?id_filme=6778&aba=trailer

22 de março de 2010

Cético diante do "bad romance"

Alguns homens terão uma tendência quase que natural a romances malvados? Seriam as relações sofridas mais empolgantes que as sensatas? Como compreender a (in)sensatez do desejo humano de querer estar perto de alguém que sempre lhe escapa? Será o homem escravo dos seus desejos? E isso é ruim?

Há sim homens que vivem na mítica caverna de Platão, presos em aparências, em sombras que ludibriam o olhar desejoso e cego para a realidade nua e crua. Há homens trancafiados em cavernas, que vivem romances malvados. Será que sou deles? E você, também?

A (e)terna incompletude é o que faz os homens propensos a essa tendência a romances maus? Isso é natural?

Natural é uma lei inventada, assim como os romances maus e grande parte dos bons, se é que existem. O homem cria seus romances, maus ou bons, talvez, a fim de satisfazer as suas fomes sem comida, os seus navios sem porto, as suas eleições sem votação suficiente, as suas exaustivas caminhadas sem paradas de sombra e água fresca, as suas preces sem atenção.

Então o romance mau tem seu lugar no homem que inventa aquilo que precisa. O romance mau, com aquela sua doce cara de poker, precisa de uma boa transa com o ceticismo.

Imagens do clip "Bad Romance" de Lady Gaga capturadas em:
http://www.gearlive.com/news/article/q409-10-gadgets-sightings-lady-gaga-bad-romance-video/

O mais belo dos belos

Foi assim que eu te vi nos meus sonhos lindos
Lua em flor tua beleza é eterna
Teu corpo revela uma linha entre o céu e o mar
Ouve, ouve o Muzenza cantar

Fere, derrama teu seio em mim
Me leva pra junto dos Deuses
Oh, rosa tão linda de negros
No balançar do carmim


Texto: trecho da música "Rosa Negra" interpretada por Daniela Mercury e composta por Jorge Xaréu.
Foto de Solvo Sundsbo, captutada em:

Uma maçã que era engenheiro: outro fruto não proibido da contemporaneidade

O engenheiro virou maçã e nos arrastou para o paraíso da cotidianidade que, mesmo com sua imensidão, consegue caber numa sala de estar. Visitantes/espectadores das mais variadas condutas assistiram/participaram da versão reduzida da obra "O engenheiro que virou maçã", concebida por Rita Aquino e Duto Santana, apresentada no dia 20 de março no Cine-Teatro Solar Boa Vista de Salvador/BA.

Essa digna homenagem para Pina Bausch, como pretendido pelos seus criadores, sem reproduzir nada do que fez a homenageada, consegue, no entanto, colocar, o espectador, como ela fazia, num patamar de produção de múltiplos e afetivos sentidos. Mesmo só sabendo dessa homenagem depois, o durante da obra transpirava um odor bauschiano repleto da originalidade dos corpos que a conceberam.

A obra provém de um coletivo de construções compartilhadas que exacerba seu ineditismo no simples fato de recortar da vida uma sala de estar onde os artistas vivem/são/estão/atuam durante a execução da obra. A sinceridade cotidiana, sem caricaturas de representação cênica e sem cargas de texto ou movimento, sutiliza a delícia e o nojo de sermos humanos. Retezamentos, epilépticas preces, tímidas buscas de carinho, atenções concedidas e negadas, indiferenças, proximidades e fotográficas lembranças convivem entre a mobília doméstica.

Qualquer espectativa de previsibilidade era subvertida pela flexibilidade com que os gestos e expressões, tal qual leve correnteza, (des)construíam-se podendo ser isso, aquilo ou aquele outro, permitindo ao público uma enamorada e democrática criação de sentidos na medida em que se relacionava com as cenas.

Mesmo por detrás de uma grade (que já era parte do espaço onde a obra foi instalada), as situações cênicas eram captadas como um domínio público. Não só pela proposta interativa, era possível ver cada espectador, a seu modo, encontrar-se na obra, dado que, nenhum abismo separava a "vida cênica" da "vida real", era tudo a mesma vida. Crianças, adolescentes, adultos e idosos dialogavam com a obra, conversando, perguntando entre si, dizendo um para o outro suas interpretações, refletindo em simultâneo com a obra. Isso faziam com tal propriedade/dignidade/simplicidade às vezes escassa nos ambientes da academia e da crítica de arte. Uma crítica empírica e "leiga" mostrando que nem todo o senso comum é tão comum quanto se pensa.

Aquela dança na qual todos viam as sua próprias situações, não ditas, malditas, benditas, sem nenhum palavreado, ficará cravada nos corpos daquelas pessoas que podem nunca terem se imaginado ganhando um copo d'água de uma dançarina em cena, atuando junto, sendo a arte também. Prestigiando e compondo parte daquela dança "sem cara de dança".

Isso foi uma digna situação da arte contemporânea que, despretenciosamente, propaga seu sadio veneno através dessa deliciosa maçã que era engenheiro. Essa maçã, que era engenheiro, não é um fruto artístico proibido, pode ser comida, degustada, bebida, sentida, abraçada, entendida, mal interpretada e até ignorada. É um artefato cultural aberto à pesquisa, à interpretação. Assim sendo, essa fascinante maçã, que era engenheiro, interpela os ditames da divindade artística clássica, poderosa em criar abismos entre a arte e a vida. Todavia, essa e outras maçãs contemporâneas não podem mais ser explusas, pois já se tornaram parte do paraíso - espaço/tempo - de agora.

Fotos de João Meireles

E o nosso lado cego?

"Um sonho possível", filme dirigido por John Lee Hancock (EUA, 2009), pode ser visto com um conto de fadas (baseado em fatos reais), de enredo, até certo ponto, previsível, que faz refletir acerca de questões como educação, solidariedade e alteridade.

Michael, vivido por Quinton Aaron, é um rapaz negro e obeso da periferia, tirado, com sete anos, da vida de riscos que vivia com a sua mãe. As várias instituições educacionais por onde passou atestaram-no como incapaz e deficiente no aprendizado. Em sua mais nova escola, ele que nada escrevia em sala de aula, certo dia escreve um pequeno texto intitulado "Paredes brancas", onde declara sentir-se impedido de aprender pois para onde quer que olhe, vê paredes brancas, professores brancos, lições brancas, normas disciplinares brancas...

Tal texto fora jogado no lixo pelo autor e encontrado por uma de suas professoras que, a partir disso, percebe que ele não é incapaz, que sua forma de aprender não era via escrita, mas via oral. Tal fato desafia os educadores a rever sua metodologia de ensino para levar em conta esse outro jeito de aprender.

Por meio dessa nova escola, Michael conhece, ou, é conhecido por, uma família branca de classe alta centrada na figura matriarcal interpretada por Sandra Bullock que, aliás, mostra porque não merece continuar apenas com a faixa de Miss Simpatia e sim ser a melhor atriz do Oscar 2010. Ela é a super mãe, a madame que desce do salto, sem perder o glamour, atravessa a cidade, entra na periferia e traz para dentro de sua casa um rapaz negro tido como inferior, suspeito e problemático. Suas dúvidas e medos foram menores que sua solidariedade. Michael deixa a vida de "gato borralheiro" maltratado pela "madrasta" sociedade e realiza todos os seus sonhos vivendo no castelo classe A da afortunada família que o adota.

Tanto o grupo de professores, que revê seus métodos para que a educação aconteça a partir da realidade do rapaz, como a família rica, que abre espaço em seus privilégios para compartilhar com o outro, instauram atitudes, que podem parecer utópicas atualmente, mas que suscitam perguntas acerca de como entendemos, ou, de quanto estamos abertos para a alteridade. Que espaço abrimos para o outro em nossa vida? Não só o outro agradável, mas aquele outro que exige meu esforço moral, afetivo e econômico. Deixando de lado as afetações religiosas de caridade, ainda vale a pena ser bom?

Apesar de que, ser solidário, hoje, pode ser perigoso, esse nosso lado cego, está um tanto afetado pela catarata do preconceito e da indiferença. E merece, não mais óculos escuros, mas um bom colírio, ou, um oculista especializado. Confiar nas pessoas ainda é viável? Ainda é possível reconher o outro?

Imagens capturadas no site Cinema em Cena:

19 de março de 2010

Boas doses de dança

"Para acordar os homens e adormecer as crianças" é como se intitula o espetáculo de 2009 do Ballet de Londrina, criado por Leonardo Ramos e apresentado no Teatro Jorge Amado - Salvador/BA nos dias 17 e 18 de março de 2010.

A partir da poética do título e do "vide bula" proposto com o programa dentro de uma embalagem de comprimidos (que alerta para ser mantida fora do alcance de crianças), esboçam-se espectativas de aproximações com possíveis dilemas relativos ao processo infante - adulto, ou, quem sabe, menoridade - esclarecimento, numa perspectiva kantiana, ou, ainda, alusões críticas ao clichê da "criança interior". Todavia, a estrutura coreográfica soa como uma desencontrada polifonia de elementos que estão agrupados e não, necessariamente, correlacionados em nexos de sentido.

Cria-se, entre as entradas e saídas, uma utópica convivência entre movimentos já recorrentes em coreografias contemporâneas, elementos esparsos de dança moderna e entonações de jazz dance. Doses de danças que não se misturam. O panorama visual esboça uma espécie de bricolagem feita de recortes de estilos e não, propriamente, uma configuração resultante da correlação entre padrões de movimento que se contaminam e se codefinem aparecendo no corpo não mais como sempre foram vistos e classificados.

O enredo se aventura por entre trocas de figurinos, alternâncias da tradicional estrutura solo - duo - trio - conjunto - grupo - pas de deux, não necessariamente nessa ordem, e do seguimento linear dos acentos musicais. Em dados momentos a obra se permite experimentos onde a dança aparece como pertinentes investigações de movimento em sequências onde os corpos aderem ao solo buscando formas de deslocamento e pontos de apoio não habituais movidas por fluxos espirais leves e precisos. Tais experimentos suscitam uma perspectiva autoral a ser explorada com mais profundidade, todavia são interceptadas pela sua brevidade cênica.

O metafórico remédio pode ter consistido em um agradável calmante para uns, um comprimido de farinha para outros e num santo remédio para outros, o que é perfeitamente normal quando se leva uma obra a público. Mais que gostar ou não gostar, achar lindo ou achar feio, importa refletir sobre o gosto, compreender o porque do gosto, pois, como dizia na bula/programa: "o espetáculo demora a contar a que veio".

Imagem capturada em:
http://www.cascavel.pr.gov.br/noticia.php?id=765

Entre heróis e monstros

"É isso que torna os heróis tão especiais (...) transportam as esperanças da humanidade para a esfera do esterno. Os monstros nunca morrem. Eles renascem do caos e do barbarismo que sempre fermentam embaixo da civilização (...). Precisam ser derrotados de novo, e de novo, mantidos encurralados. Os heróis personificam essa luta (...) enfrentam as batalhas que a humanidade precisa vencer, a cada geração, a fim de continuar sendo humana. Entende? (RIORDAN, 2009, p. 259-260)".

Entendo, em partes. Entendo e experimento que a própria humanidade se alterna em ser heroína e monstruosa. Não há forças de bem e mal externas a nós, humanos, que regem a vida. Nós próprios nos alternamos em ser bons e maus, heróis e monstros que, por vezes, devastam e, por outras, defendem.

Somos sistemas heróicos e monstruosos, competindo e compartilhando para manter-nos evolunido existência afora.

Texto do Livro "O mar de monstros", livro dois da saga "Percy Jackson e os Olimpianos" de Rick Riordan.

A verdade tem moral?

HERMES: Certa vez conheci um menino. De longe mais jovem que você! Apenas um bebê, na verdade. Uma noite, quando a mãe do menino não estava olhando, ele se esgueirou para fora da caverna e roubou algumas cabeças de gado que pertenciam a Apolo.

PERCY: E ele foi explodido em pedacinhos?

HERMES: Humm... não. Na verdade, tudo acabou muito bem. Para compensar o roubo, o menino deu a Apolo um instrumento que inventara... uma lira. Apolo ficou tão encantado com a música que se esqueceu da raiva.

PERCY: Então, qual é a moral?

HERMES: A moral? Céus, você age como se fosse uma fábula. É uma história verdadeira. A verdade tem moral?

Imagem capturada em:
http://ervasquecuramoumitospopulares.blogspot.com/2009/07/louro.html
Texto do Livro "O mar de monstros", livro dois da saga "Percy Jackson e os Olimpianos" de Rick Riordan.

15 de março de 2010

Perfilme masculino

Rodeado de livros, cadernos, música e vento, um homem se pega dando margem à solidão. Ele se encontra com entidades sem identidade, vultos suados nos caminhos abertos pelo desejo.

Mísero filósofo, incansável artista, austéro homem, envaidecida pessoa. Definí-lo requer um palavreado provindo de várias áreas de conhecimento, dado que, trata-se de um corpo versátil, indisciplinar, múltiplo, que relaciona dança com filosofia sem (con)fundir imagens e conceitos.

Nunca se sabe o que ele vai dizer quando, sutilmente, começa a sorrir. Misteriosamente duro e frágil.

Erótica alma que, sem nada de metafísico, configura-se numa estrutura sexual não engajada em ser "pau para toda obra", mas um sistema em constante compartilhamento na escala evolutiva.

O (re)ferido homem celebra e despista o nó depressivo da solidão. Seus genes seguem aquiecidos pelos memes pop do seu ambiente, num tom poético e homoerótico. Coisas de homem...


Foto de Gonçalo Santos, do Espetáculo "Nelken" de Pina Bausch, capturada em:
http://valkirio.blogspot.com/2009/07/pina-bausch-ii.html

E o Oscar foi para...

O tHErROrÍSMO dos Estados Unidos?!
Sem o dúvida o terrorismo precisa ser desarmado, mas, com mais terrorismo vestido de super herói?

O filme "Guerra ao Terror" (EUA, 2009), dirigido por Kathryn Bigelow, traz à tela a guerra no Iraque vista pelos olhos de uma mulher, norte-americana. A narrativa, a fotografia, o movimento de câmera e a possibilidade de imersão do espectador na questão abordada exemplificam um competente trabalho de cinema contemporâneo, com um tema já bem conhecido.

Desarmar bombas que minam a terra, as máquinas e o corpo é a força tarefa que norteia o enredo em cenas que tensionam a postura, a atenção e a participação do espectador. Os soldados do exército invasor, norte-americano, tratam os iraquianos com hostilidade, tanto nas ruas como dentro de suas próprias casas. São inocentes, invasores e insurgentes gemendo, chorando, matando e morrendo num vale de fogo, morte e lágrimas.

O terror da guerra mina o corpo de combatentes, insurgentes e inocentes. São todos "gatos com a pata quebrada" cambaleando em meio ao lixo a às explosões. É intrigante e, ao mesmo tempo, cômica, a cena em que o comandante William James, inetrpretado por Jeremy Renner, tão hábil e corajoso em desarmar bombas, na guerra, se vê completamente perdido e indeciso ao ter que escolher qual cereal comprar, no supermercado.

O final do filme chega com certo alívio, fim dos combates, vida tranquila ao personagem junto de sua família. Todavia, o bravo comandante, que se perde entre cereais, consente, perante o filho, ainda bebê, que o sistema da guerra já faz parte do seu ser, estando entre as coisas que ele mais ama. Heroísmo ou terrorísmo?

A problemática ambiental enfocada no filme "Avatar", ou, os dilemas sociais, raciais e familiares mostrados no filme "Precious" são menos dignos de um Oscar do que o tHErROrÍSMO norte-americano mostrado em "Guerra ao Terror"? Fica a dúvida se o prêmio e o filme são uma crítica ou uma apologia ao terror e à guerra dos quais os Estados Unidos são coresponsáveis.

Imagens capturadas no site Cinema em Cena:
http://www.cinemaemcena.com.br/ficha_filme.aspx?id_filme=6068&aba=detalhe

12 de março de 2010

Conversa entre Exata e Humana

Conversa entre o professor de matemática e o de filosofia:

Para esses alunos, não podemos "dar mole"...
Por isso, comigo, o método não é "PIAGET"!
O meu método é "PINOCHET"!

Convicto, o outro respondeu:

E o meu é "PINA BAUSCH"!

E o aritmético ficou pensando...

Fotos de John Ross, Espetáculo "Nelken" de Pina Bausch, capturadas em:
http://www.ballet.co.uk/magazines/yr_09/jul09/obituary_pina_bausch_0609.htm

9 de março de 2010

Raios que o partam... Um livro que rouba encantos

"O ladrão de raios", livro 1 da saga "Percy Jackson e os Olimpianos" de Rick Riordan.

Deuses. Sempre ligados ao poder. Eles podem tudo. Heróis. Seres duplos, metades divididas. Os diferentes incompreendidos. Identidades partidas lutando na batalha do autoconhecimento.

A saga do menino Perseu Jackson - Percy - remonta traços da mitologia grega com jeans, boné, tênis, hamburger e coca-cola. Até a Medusa resurge como "Tia Eme (M)", uma bela senhora escultora de imagens em pedra e decoradora de jardins.

Poseidon, mesmo sendo o deus que tem poder sobre os mares, não se dá conta do mar de perguntas, anseios, afetos partidos e distâncias que deixou ao filho, crescido sem conhecer o pai.

Nem tanto pela ausência do pai, mas, pela perda da mãe é que o herói desperta. Paralela à missão de encontrar um cetro/raio (de Zeus, o senhor do céu) e um elmo (de Hades, o senhor do inferno), o herói Percy traça sua própria missão: reencontrar a mãe.

No caminho, fazendo jus a uma tragédia grega contemporânea, aparecem a Medusa, as Moiras, as Fúrias, uma Quimera, deuses irados, o velho Cronos (o Titã extinto pelos próprios filhos) que influencia através de pesadelos, um passeio no reino dos mortos...

A narrativa encanta e faz o leitor reavivar a poética imagética, dos ditos pais/mães do ocidente, tão bem expressa na mitologia grega. Sem grandes oferendas aos deuses gregos, pois o Cristianismo já tratou de substituí-los, dou fé ao sagrado imaginário e reverencio a arte, as belas criações, daqueles/as que nos precederam e que seguem impregnados no nosso DNA, pois constituem nosso ser ocidental.

Atena, Zeus, Poseidon... Teremos laços afins?

Imagens da adaptação cinematográfica "Percy Jackson e o ladrão de raios" dirigida por Chris Colombus (EUA, 2010), capturadas no site Cinema em Cena:
http://www.cinemaemcena.com.br/ficha_filme.aspx?id_filme=6151&aba=detalhe

Onde moram os deuses

PERCY: Você quer dizer que os deuses gregos estão aqui? Tipo... nos Estados Unidos?

QUÍRON: Os deuses mudam com o coração do ocidente. (...) O que vocês chamam de "civilização ocidental". Você acha que é apenas um conceito abstrato? Não, é uma força viva. Uma consciência coletiva que ardeu brilhantemente por milhares de anos. Os deuses são parte dela. Você pode até dizer que eles são sua fonte ou, ou pelo menos, que estão ligados tão intimamente a ela que possivelmente não vão deixar de existir, a não ser que toda a civilização ocidental seja destruída. A chama começou na Grécia. (...) o coração da chama se mudou para Roma, e assim fizeram os deuses. E assim por diante... se mudaram para a Alemanha, para a França, para a Espanha... Aonde quer que a chama brilhasse mais, lá estavam os deuses. Eles passaram vários séculos na Inglaterra. Olhe para a arquitetura. As pessoas não esquecem dos deuses. Em todos os lugares onde reinaram, nos últimos três mil anos, você pode vê-los em pinturas, em estátuas, nos prédios mais importantes. E sim, Percy, é claro que agora eles estão nos Estados Unidos. Olhe para o símbolo do país, a águia de Zeus. Olhe para a estátua de Prometeu no Rockefeller Center, para as fachadas dos edifícios governamentais em Washington. (...) Os Estados Unidos são agora o coração da chama. São a grande potência do Ocidente. E, portanto, o Olimpo é aqui.
(RIORDAN, 2010, p. 80-81)

LUKE: Nós não passamos de peões dos deuses. Eles já teriam sido derrubados há milhares de anos, mas persistem, graças a nós...

PERCY: Você está falando de nossos pais...

LUKE: E por isso eu preciso amá-los? A sua preciosa "civilização ocidental" é uma doença, Percy. Ela está matando o mundo. O único meio de detê-la é queimá-la completamente e começar tudo de novo com algo mais honesto.
(RIORDAN, 2010, p. 375)

Texto do Livro "O ladrão de raios" de Rick Riordan
Imagens da adaptação cinematográfica "Percy Jackson e o ladrão de raios" dirigida por Chris Colombus (EUA, 2010), capturadas no site Cinema em Cena:
http://www.cinemaemcena.com.br/ficha_filme.aspx?id_filme=6151&aba=detalhe

8 de março de 2010

5 de março de 2010

Meme... Metafísica?

Cultura é uma questão metafísica?
Nossas ações e feitos culturais seriam coisas "além da física"?
O meme (unidade de cultura, segundo Richard Dawkins) pode existir além do gene (unidade biológica)?
O meme pode alterar o gene?
Podemos falar de meme como uma unidade ou como uma complexidade memética?
Questões que me surgiram a partir de uma defesa de dissertação de mestrado em dança (UFBA 2010).
Não consigo pensar em cultura fora do corpo, ou, sem corpo. Tampouco penso em corpo sem cultura, ou, apartado dos feitos culturais.
Não imagino meme e gene separados.
Não imagino cultura noutro campo que não seja o da fisicalidade.
É no ambiente, e só a partir dele, que produzimos cultura.
Depois disso... Bom, não estudei essa parte ainda.

Imagem: Muro da Ladeira Xaponã - Salvador/BA.

4 de março de 2010

Regando jardim com poesia grega

Os dias aparecem um depois do outro divididos pelo escuro e pela clareza, coisa mais normal do mundo. Mas o que vai alterando a magnitude de cada dia, além do espetáculo natural, é o que vamos empreendendo cotdianamente na teia evolutiva.

Passei por medos nesses dias. Pois aquilo para o qual aqui vim, demorou a começar. Sombras meio corruptas pareceram se interpor pelo caminho. Mas nada que uma pergunta direta não arranque a maldita pulga detrás da orelha. É, pergunta quem entende, reponde quem sabe.

Fraquejar não condiz com quem deixou as seguranças para mergulhar nos desafios, mesmo que a burocracia daqui insista em ser lenta, despreocupada e muito propensa a longos intervalos. Eis-me aqui para sustentar minhas espectativas.

Sigo construindo os dias entre aulas, ônibus lotados, visão direta para o mar, heróis gregos, filosofia e dança... Entre ruídos adolescentes que às vezes ensurdecem, mas, contando-se até 10, fica fácil transfigurá-los em agradáveis sons provindos de corpos descobrindo as belezas da vida.

Foto de John Ross, do Espetáculo "Cravos" de Pina Bausch, capturada em:
http://www.ballet.co.uk/magazines/yr_09/jul09/obituary_pina_bausch_0609.htm

1 de março de 2010

SE MANCA SOLDADO
Composto por Odailso Berté e Wolney Fernandes
Da obra "Mulher sentada com joelho dobrado" de Schiele.

Nós 4uatro fomos ver o 5inco

Elke, Jaque, Nirlyn, Oda, nós 4uatro. Fomos ver o 5inco.sobre.o.mesmo, trabalho de dança contemporânea, concebido e coordenado por João Queiroz (Teatro Vila Velha - Salvador), no qual 5inco criadores-intérpretes desenvolveram, independentemente, adaptações-recriações do texto "Orta ou alguém dançando" de Gertrude Stein. Após 8ito meses de trabalho individual os 5inco se juntaram para integrar os resultados e definir o formato do espetáculo.

5inco intérpretes
4uatro mulheres + um homem
2 vestidos + 3 calças + 3 blusas
5inco xícaras brancas
25 lâmpadas penduradas
1 cadeira
1 banquinho
1 cigarro + 1 cinzeiro branco
(e possivelmente outras coisas que não lembro)

Com entradas e saídas que quase não interferiam uma na outra os intérpretes realizaram partituras de movimento bastante autorais que se repetiam ao longo da apresentação em diferentes espaços. A música sugeria uma espécie de suspense que rimava com a iluminação, proposta pelas 25 lâmpadas penduradas em cena, e permitia algumas vibrações, esparsas, nos corpos dos intérpretes.

A possibilidade de ver a obra de diferentes ângulos, que não só o campo de visão frontal do palco italiano, poderia diversificar a gama de significados através de uma apareciação multifocal.

Imagens... De uma mulher deitada no chão, como o pé direito unido ao joelho esquerdo, multiplicando movimentos esquartejados pela iluminação e investigando possibilidades de equilíbrio, locomoção, apoios. De outra mulher sentada numa cadeira buscando evidências ou coincidências em trasparências muito próximas do seu rosto.

Ao final, um dos intérpretes aciona um retroprojetor que destaca uma frase da autora estudada pelos 5inco, soando como legenda, moral da história ou mensagem final.

Penso ter significado o espetáculo como algo quase matemático, direto, exato, preto e branco, sem muitos alargamentos interpretativos. Não fui muito além do que vi. Quem sabe, a idéia seja essa...